Um debate inédito vem sendo proposto nesta semana, em Curitiba, por mais de 5 mil pediatras participantes da 36.ª edição do Congresso Brasileiro de Pediatria. O objetivo é materializar propostas e políticas públicas voltadas à saúde da criança e o seu direito à cidadania. Tem-se, por um lado, avanços irreversíveis alcançados por essa faixa etária com a promulgação da Constituição de 1988. No contraponto, quase nada tem sido feito no intuito de prevenir danos, agravos sociais e ambientais que impedem o crescimento e o desenvolvimento saudáveis no ser humano, no período em que desabrocham as suas originalidades, potencialidades e riquezas cognitivas, reservadas, em caráter único, para a fase da infância e da adolescência.
A faixa etária marcada pelos fenômenos do crescimento físico e desenvolvimento neurobiopsicomotor e social representa, quando devidamente estruturada, o sólido alicerce para a construção de uma cidadania ética, equilibrada e produtiva, que projeta os contornos de uma sociedade identificada com o humanismo legítimo a ser cultivado. Nesse contexto, cumpre ressaltar que o direito à vida é o primeiro e o maior de todos. Logo após o direito à vida, vem o direito ao cérebro plenamente diferenciado. Este órgão, da mais alta complexidade, dotado das mais abrangentes funções psicossomáticas e sociais, cresce e se diferencia desde a vida uterina, em ritmo e velocidade acentuados, que se estendem até o sexto ano de vida, quanto atinge dimensão e dinâmica semelhantes ao cérebro do indivíduo adulto.
Conforme comprovam diversos estudos científicos, a maioria das doenças do adulto tem origem na infância. O descaso para com o ser humano na fase mais complexa da sua existência é a principal causa das graves morbidades que afetam as novas gerações, roubando-lhes o sagrado direito à vida humana plena, às virtudes sociais e ao sentimento de alteridade que rompem o individualismo, desfazem a violência e difundem práticas construtivas e pacíficas.
Temos, entre as promessas do governo federal, exemplos flagrantes de descaso com a infância e a juventude, que são as maiores prioridades do país. Era promessa do atual governo construir, até 2014, 6 mil creches em todo o país. O número impressiona, mas é inexpressivo. Mesmo assim, até hoje apenas 400 creches foram construídas pelo governo federal.
Os legisladores brasileiros cumpriram exemplarmente o seu papel ao incluírem, no texto constitucional, o artigo 227, que estabelece prioridade absoluta para os investimentos públicos indispensáveis à garantia dos direitos de crianças e adolescentes. A sociedade precisa mobilizar-se no sentido de fazer com que aquilo que é letra morta se converta em realidade, para o bem da nação e pela garantia do futuro das nossas crianças e jovens.
Darci Bonetto, médica pediatra, é presidente do 36º Congresso Brasileiro de Pediatria.