Após a humilhante derrota para os alemães na última Copa do Mundo, temos discutido intensamente as alternativas para que o futebol brasileiro retorne aos seus dias de glória. Muitos têm sugerido a repatriação dos nossos craques que jogam no exterior como uma forma de valorização do campeonato nacional.
Considero tal medida um paliativo. O problema é muito mais profundo. Falta tudo, inclusive craques. Falta um projeto que tenha organicidade, que defina o futebol brasileiro desde as suas categorias de base até o nível profissional, propondo características próprias e continuidade de trabalho.
Vinte anos depois, o pragmatismo mostrou a sua verdadeira face. Se em 1994 a vitória nos Estados Unidos atendeu a um anseio coletivo gerado por um jejum de 24 anos, agora, num momento de crise e de reflexão, não temos mais referências sobre o nosso próprio futebol. Destruímos os nossos paradigmas e não sabemos o que colocar no lugar.
Nesse vazio, a experiência alemã surge como um exemplo. Após a conquista da Copa de 1990, o futebol germânico também perdeu as suas referências. Achavam que a grandiosidade de sua tradição bastaria para conquistas futuras. Entretanto, tiveram de repensar o seu futebol por causa do fraco desempenho nas Eurocopas de 2000 e 2004 e da proximidade da Copa de 2006, a ser realizada na própria Alemanha. Foram obrigados a sair do pedestal. Nos anos seguintes, a federação obrigou todas as equipes das 1.ª e 2.ª divisões a terem centros de excelência para a formação de jovens atletas. Além disso, montou 366 centros futebolísticos espalhados por todo o país.
O estilo de jogo da seleção também passou por transformações. Adotaram dos espanhóis o seu constante toque de bola, o domínio do meio de campo e a compactação da equipe. Porém, não abriram mão do que faziam de melhor: a objetividade, a verticalidade, a disciplina tática e o equilíbrio entre defesa, meio e ataque. Os resultados foram surgindo: 3.º lugar na Copas de 2006 e 2010 e na Euro de 2012, vice na Euro de 2008 e, finalmente, a conquista máxima na Copa de 2014.
Voltando ao Brasil, o exemplo alemão nos mostra que sem o planejamento de médio e longo prazo não haverá solução milagrosa que salve o nosso futebol. Os dirigentes, atletas e torcedores precisam ser mais modestos. Contrariando o senso comum, os craques não estão surgindo a todo momento. O poço secou! Também temos de reavaliar a atual legislação esportiva. A CBF é considerada uma associação de direito privado e não tem a obrigatoriedade legal de desenvolver projetos de formação de base. Finalmente, devemos entender que o estilo de jogo de uma seleção não nasce naturalmente. Ele é fruto de um processo histórico complexo em que interagem diferentes atores sociais.
Um exemplo bem prático: como poderemos ter uma seleção brasileira jogando um futebol vistoso, que geralmente chamamos de "futebol-arte", se os atletas já estão desde a mais tenra idade nas mãos de empresários (graças à Lei Pelé) que observam o mercado internacional e que procuram desenvolver em seus "pupilos" as características mais valorizadas nesses lugares?
Não estou, com isso, defendendo a volta da Lei do Passe, quando os clubes tinham mais tempo de aprimorar determinados hábitos em seus meninos nas divisões de base e quando os torcedores conseguiam identificar com grande antecedência os futuros craques. O que estou defendendo é que precisamos urgentemente rever a Lei Pelé. Sem essa revisão, qualquer projeto de renovação do futebol brasileiro e de seu estilo de jogar a partir das categorias de base estará fadado ao fracasso.
Denaldo Alchorne de Souza, pós-doutorando em História na USP, é pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas sobre Futebol e Modalidades Lúdicas (Ludens) da USP.
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