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A crise e as finanças pessoais

O que está em jogo na discussão sobre o teto de gastos
É preciso aumentar sua inteligência financeira e desenvolver a habilidade para manejar dinheiro. (Foto: Arquivo/Gazeta do Povo)

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A pandemia e as consequências do combate a ela – isolamento social, suspensão de aulas, fechamento do comércio e dos estabelecimentos de serviços, perda de emprego, perda de renda e duração excessiva do caos – causaram dois efeitos graves: danos econômicos e danos psicológicos.

Angústia, sofrimento, pânico e medo são algumas das emoções que se abateram sobre o mundo. Assim, ou aprendemos algo com essa tragédia e mudamos hábitos e atitudes, ou estaremos condenados a repetir a mesma dor quando outra crise vier. E virá, pois as crises fazem parte da vida.

Destaco aqui um assunto importante: as finanças pessoais. Especialmente para quem vive da renda do trabalho, não é empresário, não tem ativos de renda, não é funcionário público com estabilidade e tem aposentadoria limitada pelo INSS, o jeito de administrar as finanças pessoais é decisivo para a felicidade ou o sofrimento. A fonte de renda do trabalhador é sua força de trabalho, que se transforma em trabalho (se ele tiver emprego) e lhe gera renda, o salário.

O trabalho não é um fator de produção estocável nem se realiza quando o detentor da força de trabalho está, por alguma razão, impedido de trabalhar. Uma empresa pode seguir operando quando seu proprietário está afastado por doença. Um ativo real, como um imóvel, continua gerando aluguel mesmo se o proprietário estiver em férias ou dormindo. Isso nos leva ao primeiro princípio importante: o princípio do descompasso.

Nosso fluxo de gastos pessoais é diário e constante. Nossa renda não. A pandemia mostrou esse descompasso de maneira cruel. Os que perderam renda continuaram consumindo no mínimo os bens e serviços necessários à sobrevivência. Na prática, as famílias não desmontam suas vidas, não vendem suas casas e não abandonam seus lares por causa de uma pandemia. Elas tentam se ajustar, se descapitalizam, tomam empréstimos, sofrem, mas têm que continuar consumindo... e pagando as contas.

Na crise, o desemprego puxa os salários para baixo. Mas o capitalista tem que pagar no mínimo um salário capaz de comprar os meios de subsistência do trabalhador, sem os quais ele morre. E mesmo o mais avarento capitalista fará isso, da mesma forma como o senhor das fazendas fornecia o necessário para o escravo se manter vivo e em condições de trabalhar. Até um cavalo recebe os meios de subsistência para viver e conseguir puxar a carroça ou o arado.

O problema é que o humano moderno não é um bicho irracional e destituído de emoções, capaz de viver apenas com alimento, abrigo e repouso. A vida exige mais que isso. Há os bens da alma, do coração e do espírito.

Ora, se nosso fluxo de gastos é constante e diário, e nossa renda pode faltar por desemprego, doença, invalidez, envelhecimento ou uma pandemia, é importante pensar sobre como administrar as finanças pessoais. Sugiro alguns pontos para pensar.

Medida no 1. Não gastar toda sua renda, mesmo que seja pequena. Em algum momento da vida, você ficará sem salário, logo é importante ter reservas. Para a velhice e a aposentadoria, você pode até contar com os sistemas de previdência, público ou privado, embora a aposentadoria possa ser inferior a seus ganhos durante a vida ativa. A responsabilidade por formar reservas é sua.

Vou contar uma história. Na revista Veja de 3 de agosto de 2016, a querida atriz Joana Foom faz um depoimento dramático. Aos 76 anos, ela estava desempregada, sem dinheiro, sem patrimônio e, como ela disse, almoçando e jantando empréstimo bancário. Fiquei sensibilizado, pois Joana não é uma atriz qualquer. Ela era estrela de primeira grandeza no teatro, no cinema e na Rede Globo, sempre amada e aplaudida.

O que aconteceu com Joana? Ela é apenas mais um entre os milhões que chegam à velhice sem emprego, sem renda, sem ativos e com aposentadoria ínfima. Nessa faixa de idade, muitos não têm energia ou saúde para trabalhar, e o mercado não lhes é amigável. Sem educação financeira, sem dar importância ao assunto dinheiro e administrando mal as finanças pessoais, a velhice pode ser um calvário.

Medida no 2. Saber que outras crises virão. Prever crises e se planejar não é ser pessimista. É ser realista. A lenda bíblica de Noé é instrutiva. Ele salvou a si e sua família após o dilúvio porque acreditou na advertência divina e construiu uma arca. Seus críticos lhe diziam que ele estava louco, pois viviam no deserto, onde jamais poderia haver um dilúvio capaz de fazer a Terra sumir sob as águas. Noé se salvou, com sua família e alguns animais, por seu pessimismo... ou ele foi apenas previdente?

Medida no 3. É fundamental estudar e continuar estudando. Mas não é qualquer estudo. Há pessoas que não cuidam de sua educação financeira, não aprendem a gerir as finanças pessoais, não refletem sobre a postura de vida diante do dinheiro, mas estão estudando Mandarim, o idioma chinês, só porque virou moda. Tempo e dinheiro são recursos escassos, logo é preciso fazer escolhas. O que é mais importante para você?

Medida no 4. Aumentar sua inteligência financeira e desenvolver a habilidade para manejar dinheiro. Você não precisa tirar o foco de sua profissão, mas deve saber que é útil conhecer o mundo do dinheiro, aprender a ler números financeiros e conhecer a ciência de poupar e investir, além de analisar seus hábitos de gastos e consumo. Educação financeira começa com o estudo sobre a maneira como ganhamos, como gastamos e como conservamos dinheiro.

Ao ler este texto, você pode dizer: mas aqui não há nada novo nem difícil. É verdade. Os grandes princípios não são novos nem são difíceis; são simples. Porém, ser simples não é ser fácil. Confúcio disse que “a simplicidade é o último degrau da sabedoria”, ou seja, não se consegue fazer o simples sob a ignorância. Pelo contrário, a simplicidade exige sabedoria.

José Pio Martins, economista, reitor da Universidade Positivo.

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