Se há algo que a história econômica nos ensina é que déficits públicos crônicos levam inevitavelmente a população a sacrifícios pesados
A crise financeira mundial, que nasceu no setor bancário dos Estados Unidos, foi o melhor prato servido aos adversários do capitalismo e aos algozes do liberalismo. O neoliberalismo (que, aliás, é uma invenção das esquerdas), se já servia como um Judas para políticos em várias partes do mundo, passou a ser malhado de forma impiedosa, como se tudo nele fosse o mal e tudo que a ele se opõe fosse o bem. Os órfãos de Moscou, que perderam o rumo desde a derrocada do império soviético, levantaram suas vozes, de novo, contra a inviabilidade do capitalismo e a necessidade de exterminá-lo.
Os problemas do sistema bancário norte-americano decorreram dos seus defeitos, mas foram impulsionados pelos equívocos do governo e das medidas populistas que se iniciaram lá nos anos 80 e se estenderam até 2007, sobretudo no tocante à política habitacional. O governo dos Estados Unidos cometeu uma sequência de erros durante quatro governantes, culminando com imensas falhas na fiscalização do sistema bancário. A crise financeira naquele país nasceu e cresceu sob as barbas do setor privado e do setor público. Não há inocentes nela, e a responsabilidade do governo pelo nascimento, crescimento e estouro da crise é incontestável. Ou seja, mesmo a crise financeira norte-americana é culpa, também, do Estado.
Mas eis que vem a Grécia e mostra o quanto o setor público pode, sozinho, destruir uma economia e criar uma crise gravíssima, com prejuízos imensos para a população. A crise grega é uma crise do Estado ou, no mínimo, uma crise do governo. Seus componentes são: má-gestão das contas públicas, déficits públicos crônicos, endividamento excessivo do governo e insolvência externa. O problema do mundo é que não existe uma instância superior capaz de pôr freio a um governo enquanto ele deteriora a saúde financeira do país. Somente depois que a crise explode e a insolvência se estabelece é que os organismos internacionais podem fazer alguma coisa.
Ao pedir socorro para o Fundo Monetário Internacional (FMI) e para bancos privados, a Grécia aceitou submeter-se a um programa de austeridade e reorganização das contas públicas, destruídas ao longo de muitos anos por governantes que achavam que o governo pode tudo impunemente. A população explodiu e revoltou-se diante da política de cortes em programas sociais e serviços públicos. A conta chegou e o ônus é grande. Tudo é resultado de um Estado que gastou o que não tinha e brincou com a política econômica. Fazendo reflexão depois da queda, chega a ser estranho ver como um país conseguiu cometer tantos erros durante tanto tempo. Somente em 2009, o déficit público da Grécia foi de 13,6% do Produto Interno Bruto, que, somado aos déficits anteriores, destruiu as finanças públicas do país. Estava claro que essa história não podia acabar bem.
Estranhamente, os coveiros do neoliberalismo silenciaram, inclusive aqueles incrustados nas redações dos jornais europeus e nos governos da zona do Euro. Os que andavam festejando a morte do liberalismo comemoraram cedo demais. A crença cega tanto no liberalismo radical quanto no estatismo exagerado é ingênua. A crise grega veio para dizer: "Calma pessoal! O mercado não é perfeito e precisa de regulação. Mas o Estado não é o céu e também precisa de limites. Portanto vamos preservar o capitalismo (único sistema produtivo que funciona), fazer regras boas e fiscalizar com eficiência. Mas vamos, também, manter o governo limitado às suas funções essenciais e submetido a um controle rígido para que ele não bagunce suas contas e jogue o país no abismo".
A grave situação da Grécia tem o efeito didático do mostrar que o governo não pode tudo, sobretudo, que ele não dá à sociedade nada que antes dela não tenha retirado. Essa é uma boa lição inclusive para os Estados Unidos, onde os gastos públicos explodiram, em parte para solucionar a crise e em parte pela explosão dos gastos militares. Mais cedo ou mais tarde a nação norte-americana terá de pagar a fatura dos déficits nas contas públicas, pois se há algo que a história econômica nos ensina é que déficits públicos crônicos levam inevitavelmente a população a sacrifícios pesados. Não é muito diferente do que ocorre a uma família ou uma empresa. Em geral, a conta salgada.
José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.
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