Pela ótica de quem defende o fim da reeleição de presidentes, governadores e prefeitos, a medida seria benéfica para diminuir ou acabar com a corrupção e o uso da máquina pública pelos candidatos e, portanto, a dificuldade de alternância no poder. No todo, vagamente se defende que acabar com a reeleição é "melhor para a democracia". Isso não é verdade.
A reeleição não criou a corrupção no Brasil. Ela existia antes de 1997 e continuou existindo. O uso de verbas públicas para fins privados acontece durante os governos em licitações fraudadas, em caixas de campanha do seu próprio partido e de seus aliados. Colocar a culpa na reeleição pelos desvios de verbas públicas é imaginar que só os candidatos à reeleição cometem crimes contra a administração pública e que eles os cometem mais que os outros agentes públicos. De forma alguma. É possível que uma comunidade troque o seu governante a cada ciclo eleitoral e, mesmo assim, a corrupção se dê de modo permanente. Portanto, a associação entre o fim da reeleição e o fim da corrupção carece de sustentação lógica.
Também não existe uma relação entre o mecanismo da reeleição e a precária alternância no poder. O Rio Grande do Sul, por exemplo, não costuma reconduzir os seus governadores ao segundo mandato mesmo com a regra da reeleição. Para que um partido se torne sistematicamente predominante sobre os seus rivais, é preciso que este governe por um longuíssimo período. Mais que isso, é necessário que não haja a expectativa de que um partido oposicionista vença. O grande exemplo dessa hegemonia partidária é o México, que teve apenas um partido no poder durante 71 anos. O Partido Revolucionário Institucional (PRI) governou o país com 14 presidentes sucessivos, mandatos de seis anos, sem reeleição e sufocando a oposição por mais de meio século. Logo, não existe relação histórica entre alternância do poder e a proibição da reeleição.
Para se falar em alternância no poder, precisamos olhar para os partidos políticos e não para os indivíduos. Para ser efetiva esta alternância, ela precisa contar com pelo menos dois partidos capazes de tornar a disputa indeterminada em todas as eleições. O Brasil conta com isso há oito eleições, desde 1989. A instituição da reeleição não diminuiu a imprevisibilidade das eleições e é possível haver imprevisibilidade com recondução de partidos, tanto como nos três últimos pleitos brasileiros e como em tantas experiências internacionais.
A falta de democracia está nos mecanismos de produção de governos dentro dos partidos e o personalismo dos líderes. Essa deficiência precisa ser equacionada por melhores mecanismos de construção da agenda do partido e seus aliados na coalizão ministerial. Mas esse problema nunca dependeu da reeleição. Seja com Vargas ou JK, seja com FHC ou Lula. Estes são nomes cuja força não dependeu da reeleição. Seus partidos não foram capazes de elaborar programas e transformá-los em identidade coletiva.
Hoje em dia contamos com a polarização entre PT e PSDB, e pode-se argumentar que ela foi conquistada graças à oposição de projetos partidários que tiveram como porta-vozes presidentes de forte apelo popular. Embora a alavancagem das plataformas partidárias conte com a expressão deste ou daquele presidente, ela não surgiu com a reeleição. Não se pode culpar a reeleição por algo que ela não criou.
Luiz Domingos Costa é doutorando e professor de Ciência Política do Centro Universitário Uninter.
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