Um olhar atento para as iniciativas destinadas a combater o fantasma da corrupção sinaliza que alguns passos já foram dados
O último pleito eleitoral no Paraná ocorreu em meio a um profundo escândalo de corrupção política, envolvendo o poder da cúpula que controla a Assembleia Legislativa do estado. Apesar da gravidade, magnitude e recorrência dos desmandos políticos protagonizados por parlamentares da atual legislatura, as eleições de 3 de outubro asseguraram não apenas a reeleição dos principais envolvidos como garantiram a vitória de um número considerável de novos deputados, oriundos de famílias tradicionais na política.
Como explicar esse tipo de prêmio eleitoral que garante vida longa aos políticos envolvidos em atos de corrupção e faz da política um grande negócio em família? Afinal, qual é a proporção de responsabilidade que pode ser atribuída ao cidadão e eleitor comum na reprodução contínua desse processo?
Em primeiro lugar, é preciso suavizar a responsabilidade do eleitor. Sabe-se que milhões de homens e mulheres comuns dedicam e consomem a maior parte do tempo no trabalho, no cuidado dos filhos e outros afazeres exigidos na vida cotidiana. Fora isso, essa multidão de corpos, braços e mentes produtivos é obrigada a dividir, sob a forma de impostos, parte do seu trabalho para remunerar e garantir o funcionamento da burocracia do Estado, incluindo a massa de funcionários espalhados nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Por isso, em uma sociedade democrática, plural e alicerçada em princípios igualitários e republicanos, o dever das instituições políticas e judiciárias é zelar pelo interesse, bom desempenho e transparência exemplar no trato da coisa pública. O funcionamento adequado dos poderes estatais exige que esses sejam continuamente democratizados da base ao topo.
Um olhar atento para as iniciativas destinadas a combater o fantasma da corrupção que corrói as instituições do Estado, sinaliza que alguns passos já foram dados. Acontecimentos como a redemocratização do país, ativismo dos movimentos sociais e maior autonomia de órgãos oficiais como a Polícia Federal, Ministério Público e juízes de primeira instância contribuíram para proliferação de investigações criminais, denúncias e prisões temporárias de dezenas de políticos e empresários corruptos envolvidos com desvio de dinheiro público. Se ainda é cedo para afirmar que a corrupção nos aparelhos de Estado seja menor hoje que no passado, o atual momento da vida política, social, jurídica e midiática do país permite que o povo brasileiro tenha maior conhecimento e consciência de um grave e pernicioso problema que o afeta e precisa ser resolvido.
Apesar dos avanços para coibir e responsabilizar políticos, empresários e funcionários públicos corruptos, a solução do problema ainda exige maior mobilização, pressão e vigilância da sociedade junto aos escalões superiores das instâncias político-jurídicas. O trabalho de jornalismo investigativo, que permitiu, por exemplo, à sociedade paranaense tomar conhecimento do maior escândalo de corrupção instalado na Assembleia Legislativo do Paraná e serviu de suporte para que o Ministério Público formulasse denúncia de corrupção contra os parlamentares envolvidos foi ignorado pelo Supremo Tribunal Federal. Resultado: os parlamentares diretamente acusados e envolvidos em inúmeras falcatruas e desvio de dinheiro público saíram como vítimas e conseguiram ser reeleitos nas urnas por mais quatro anos. A essa altura, atribuir responsabilidade unilateral ao eleitor comum por ele ter votado em candidaturas fichas-sujas é uma postura repleta de cinismo e demagogia.
Cezar Bueno é doutor em Sociologia e professor da PUCPR.