"Palavras não pagam dívidas", escreveu Shakespeare. O Supremo Tribunal Federal (STF), com o fim de padronizar as sentenças judiciais em todo o Brasil nas ações que tratam das perdas nas cadernetas de poupança ocasionadas pelos planos econômicos Bresser (1987), Verão (1989), Collor I (1990) e Collor II (1991), avocou o poder de julgar quem tem razão: os bancos ou os poupadores.
A controvérsia se arrasta há anos no Poder Judiciário, mas recentemente os bancos ajuizaram uma nova ação no STF reivindicando o perdão da dívida, alegando que agiram conforme o que haviam determinado os presidentes Sarney e Collor. O julgamento foi iniciado em 2013, mas o presidente do STF ordenou que fosse retomado no início de 2014, quando então a sessão foi adiada por tempo indeterminado a pedido dos bancos, que pretendem fazer crer que não foram beneficiados pelos ditos planos ao deixar de creditar nas contas-poupança o que era devido aos seus titulares pura falácia, pois, se havia determinação governamental e legal para que as instituições descumprissem o contrato firmado com os poupadores, aquelas deveriam, à época, ter ajuizado a respectiva ação contra a União, eis que sabiam que o contrato de poupança estava amparado por princípios constitucionais vigentes que não permitiam à lei ofender o ato jurídico perfeito consubstanciado naquele contrato havido entre o banco e o poupador.
E por que não o fizeram? Porque o setor bancário foi beneficiado com os diversos planos econômicos e porque a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) conta com a amnésia do povo brasileiro, idêntica estratégia utilizada pelos governos para arrumar a casa e se perpetuar no poder vide o exemplo dos senadores José Sarney e Fernando Collor. E como os bancos se favoreceram? Ora emprestando a taxas de juros superiores à inflação oficial, o denominado spread bancário, ora deixando de transferir imediatamente os valores bloqueados em março de 1990 ao Banco Central do Brasil; isso é notório, tanto que até mesmo o extrato das cadernetas de poupança do extinto Banco Banestado mostra que a transferência ocorreu em agosto de 1990.
Os bancos pretendem usar a força das palavras bem postas e do falso pânico na esperança de que um problema exclusivamente privado se transforme em algo de interesse público, institucionalizando o calote como algo possível e aceito, amparando-o com a esperteza inerente aos maus; defendem com retórica fraca a suposta insegurança jurídica do sistema monetário, o qual poderia ser abalado diante do investidor estrangeiro. Contudo, a razão pela qual a comunidade internacional justificadamente teria receio de investir no Brasil seria em decorrência de um pretenso endosso, pela mais alta corte do país, de um amplo inadimplemento bancário.
A verdade é que o julgamento no STF foi adiado porque os bancos estão temerosos de perder a ação; enquanto isso, artigos são escritos em jornais e revistas para arguir um falsa injustiça, tudo com o fim de afastar a atenção do cidadão para o que pode vir a ser o maior calote na história do Brasil. Espera-se que o STF tenha lido Shakeaspeare e saiba que "palavras não pagam dívidas".
Gustavo Ribeiro Langowiski, advogado, é diretor-executivo da Associação de Defesa da Cidadania (Adeci).
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