A decisão do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, pela constitucionalidade da política de cotas étnico-raciais para seleção de estudantes da Universidade de Brasília, ratificou entendimento que se consolidou no âmbito do controle incidental de constitucionalidade nas inúmeras ações judiciais individuais propostas em todo o país. O amplo debate ocorrido no controle difuso de constitucionalidade deixou ao STF a tarefa de ratificar o entendimento que melhor se coaduna com a Constituição Brasileira de 1988.

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No contexto de uma sociedade pluralista como a brasileira, com um passado escravocrata, experiência de crescimento econômico concentrado com ampla desigualdade, a única interpretação possível de modo a dar sustentabilidade ao processo de consolidação da nossa democracia foi a dada pelo STF.

O caráter temporário dessa política, visto que ela se dirige para a correção de uma desigualdade e, portanto, tem estreita vinculação com esse pressuposto, também ficou assentado na decisão. Da mesma forma a relação entre igualdade e diferença, na precisa citação de Boaventura de Sousa Santos feita pelo ministro relator: "Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduze as desigualdades". A política de cotas tem um efeito simbólico de reconhecimento da diferença. Ela supera todas as tentativas históricas de assimilação e homogeneização que a modernidade e seus princípios universalistas tentaram construir.

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O princípio do acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística segundo a capacidade de cada um (art. 208 V da Constituição Federal) também foi levado em consideração na decisão. Segundo o ministro relator, a Constituição de 1988, "ao mesmo tempo em que estabelece a igualdade de acesso, o pluralismo de ideias e a gestão democrática como princípios norteadores do ensino, também acolhe a meritocracia como parâmetro para a promoção aos seus níveis mais elevados". Portanto, a razoabilidade da política de cotas está no equilíbrio da aferição das aptidões dos candidatos, de maneira a "conjugar-se seu conhecimento técnico e sua criatividade intelectual ou artística com a capacidade potencial que ostentam para intervir nos problemas sociais".

Considerando que a política de cotas está pautada nas características fenotípicas da pessoa e não apenas de origem, é provável que o STF volte novamente a se pronunciar sobre uma discussão que está ocorrendo no âmbito do controle incidental de constitucionalidade no tocante à autodeclaração e ao papel das comissões institucionais que avaliam essa autodeclaração.

Marcos Augusto Maliska, professor do Mestrado em Direito da UniBrasil, é procurador-chefe da UFPR.