| Foto: Robson Vilalba/

A mensagem cristã é uma de amor ao próximo, de sacrifício pessoal, de altruísmo, de compaixão e cooperação. Como é possível coadunar isso ao capitalismo, que defende a concorrência, o lucro, até mesmo a ganância? Será que todo cristão deve ser um anticapitalista, quiçá um socialista convicto?

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Jay W. Richards, Ph.D. em filosofia e teologia, garante que não. Em Money, Greed, and God: Why Capitalism Is the Solution and Not the Problem, ele faz uma eloquente defesa moral do sistema capitalista, argumentando ser este o mais alinhado aos propósitos cristãos. Para Richards, se os poucos comunistas remanescentes estão em Havana e Harvard, ainda há muita gente que rejeita o capitalismo como um sistema moral.

Mas quanto mais o autor estudava sobre o capitalismo, mais ele deixava de lado seu viés esquerdista e se convencia de que tal sistema era não só melhor do ponto de vista de resultados práticos, mas moralmente superior. O segredo para sua conversão foi o estudo da economia. Se o desejo é realmente ajudar os mais pobres, e não apenas se sentir bem repetindo mensagens bonitas, então dominar o funcionamento da ciência econômica é crucial.

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O capitalismo deve ser comparado com suas alternativas concretas, não com utopias.

Logo de cara ele alerta para o risco do mito do Nirvana: comparar uma realidade imperfeita com algum ideal imaginado, mas inexistente. O capitalismo deve ser comparado com suas alternativas concretas, não com utopias. Há ainda o mito da Piedade, que é focar nas boas intenções e deixar de lado as consequências não-intencionais de nossos atos. Outro mito relevante é o de Soma Zero, que trata a economia como um jogo em que, para se ter um vencedor, deve-se necessariamente ter um perdedor. A descoberta de que as trocas livres podem ser mutuamente benéficas costuma ser um despertar para muito esquerdista.

É importante demonstrar que o capitalismo não nega a ética cristã, pois, como Richards diz, se ambos estivessem mesmo em confronto, um cristão não poderia ser um capitalista. Felizmente tal contradição não existe. Enquanto muitos enxergam apenas competição no capitalismo, exagerando seu caráter predatório, o fato é que ele representa um incrível sistema de cooperação, de império das leis, e que floresce melhor em um ambiente de virtudes, com famílias estáveis, auto-sacrifício, compromisso com a gratificação adiada e uma disposição de arriscar com a esperança em um futuro melhor. Tudo isso se encaixa bem na visão cristã.

A riqueza, que não existe num estado natural e abundante, é produzida quando nossa liberdade criativa pode prosperar num contexto de liberdade, de preferência sob a garantia das leis e uma rica cultura moral. Nada disso deveria ser surpresa para um cristão, que acredita ser o homem feito à imagem de Deus. A imago dei seria a prova de que nossa atividade criadora reflete a imagem divina. E é numa economia livre que podemos melhor utilizá-la.

Opinião da Gazeta: Um novo Brasil (editorial de 25 de novembro de 2017)

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Nossas convicções: Livre iniciativa

Daí a importância de se entender bem o mecanismo econômico. Apenas a paixão moral extremista sem conhecimento da realidade costuma levar a extermínios em massa, como nos países socialistas. Aqueles que tentam enxergar uma mensagem comunista na Bíblia estão deturpando o livro sagrado dos cristãos. Os seguidores de Jesus que abrem mão de seus bens o fazem de forma voluntária, e não há a figura do estado como instrumento de coerção para forçar uma distribuição igualitária da riqueza. O confisco pregado pela esquerda não guarda semelhança alguma com a mensagem de Cristo.

No mais, aquilo que pode ser realizado em grupos menores, como uma família ou uma pequena tribo, não funciona em grandes números, pois gera um mecanismo inadequado de incentivos, como a “carona grátis”. Basta pensar em todos trabalhando numa sociedade complexa como a brasileira para acumular o resultado sob o controle de um só agente, o estado, que depois irá alocar os bens de acordo com a necessidade de cada um. Tal sistema leva inexoravelmente a uma desconfiança geral, traições, revoltas, corrupção, oportunismo e vitimização, já que todos passam a “necessitar” de tudo e ninguém mais pode nada.

Poucos sabem, mas foi exatamente esse modelo o adotado na primeira colônia americana, em Plymouth. Foi um fiasco, e vários morreram de fome, até que o sistema fosse repensado e a propriedade privada com trocas livres fosse adotada. Foi só aí que a colônia prosperou e se tornou a produtiva Comunidade de Massachusetts. Já os comunistas, ao tentarem criar o paraíso cristão na própria Terra, conseguem apenas espalhar o inferno. Tal missão secular, para começo de conversa, é prova da pura arrogância humana, do pecado do orgulho, quando o homem resolve bancar Deus.

Ele se preocupa com os mais pobres, e temos a obrigação, como cristãos, de compartilhar dessa preocupação. Mas essa mensagem, presente por toda a Bíblia, precisa ser calibrada justamente com o conhecimento de como podemos ajudar mais os pobres. É aí que entra as noções básicas de economia, e o entendimento de que devemos buscar resultados concretos, não a simples sensação de superioridade moral do monopólio da virtude. A piedade não é substituta da técnica. As boas intenções não bastam.

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E quando julgamos com base nos resultados, os ambiciosos programas “progressistas” por meio do estado, como a “Guerra à Pobreza”, mais parecem uma guerra contra os pobres. Já o capitalismo liberal tem sido o melhor amigo dos mais pobres, retirando milhões da miséria ao longo das décadas. Sem falar dos efeitos morais perversos do “welfare state”, que cria dependência e retira do indivíduo o senso de responsabilidade, diluindo também o dever moral dos demais. Socialismo significa menos caridade voluntária, a única que vale. Delegar caridade, ainda mais para quem vai usar coerção, é abrir mão do dever cívico de ajudar o próximo. É cômodo, mas é injusto e não funciona.

Os americanos, um povo predominantemente cristão, doam 1,67% do PIB em caridade, mais do que o dobro do segundo colocado, o Reino Unido, e o terceiro, Canadá. A secular França vem lá atrás, com apenas 0,14% do PIB. Os americanos são mais filantropos e mais capitalistas, mostrando que não há incompatibilidade alguma entre eles. Pode, então, um cristão ser um capitalista? A resposta é: claro que sim!

Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal.