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“Nosso tempo está desnorteado. Maldita a sina, que me fez nascer um dia pra consertá-lo!”(Hamlet)
Ultimamente, a mais vilipendiada e vadia das democracias, a brasileira, com mais afoiteza, à luz do sol do meio-dia e descaradamente, vem sendo violada com todos os requintes de permissividade. Como se todos os pudores tivessem caído nas bacanais dos estertores desta moribunda República, a qual o historiador desatento ainda não teve tempo de nominar.
As normas nacionais do ostracismo político — a lei de inelegibilidade e da ficha limpa —, transformaram-se em instrumentos desta Era de barbárie civilizatória para onde querem empurrar o destino de toda uma Nação. E a Súmula 01 desta quadra histórica foi lapidarmente esculpida por um jurisconsulto cujo jaez pernóstico ficará eternizado na galeria dos baluartes morais desta Nação: “Perdeu, Mané. Não amola.”. Pelo fedor do stalinismo de DCE que esta súmula carrega, haverá de ser o epitáfio escrito na pedra tumular que se assentará sobre o Brasil. Concisa e psicodélica, diz muito acerca do Sacratíssimo Pretório Excelso.
A aplicação de referidas leis, veremos todos, ainda fulminarão com a inelegibilidade aqueles cuja alma se vê habitada pelas peraltices da 5ª série, tamanhas são as leviandades, do esdrúxulo ao banal, invocadas para obliterar da vida política o indesejável do momento. Acatadas nos tribunais que resolveram emprestar gravidade e circunstância às platitudes opiniáticas fantasiadas de andrajos juridicoides, são recitadas sob o reforço dos adereços teatrais de uma capa preta e do pince-nez. Nos julgamentos abundam, durante a leitura dos votos, solenes silêncios e esgares de intelectualoide empafiado, para o close das câmeras dos jornais televisivos. Fátua fama da fealdade.
Não se entende como uma soporífera reunião de embaixadores onde Presidente Bolsonaro pela bilionésima vez falou mal das urnas eletrônicas pudesse caracterizar abuso de poder que lhe desse benefício eleitoral
O que fora parametrizado por nosso Sistema Constitucional libertário que diz que o Povo é a origem e o fim de todo o Poder, vê-se sepultado sob aplicação de leis do ostracismo, cujo elastério de interpretações desvairadas pode se prestar a imolar o bode expiatório da hora, subvertendo a República e a Democracia.
Dita a nova regra dos dias de hoje, inaugurados com a cassação de Deltan Dallagnol, que o Poder emanava e não mais emana do povo e, hoje, seus representantes podem ser escolhidos por poderes de outra ordem, eventualmente escusos e clandestinos. As leis supressoras de direitos eleitorais ora vigentes são muito ruins, adentram em terrenos de moralidade duvidosa, suplantam e violam parâmetros constitucionais. Pior, suas interpretações, pelas maiorias de ocasião que se tangem cada vez menos por fundamentos jurídicos, aderiam ao discurso de índole Neojacobinista. Tais interpretações aviltam os direitos individuais, a democracia e o Povo detentor de toda a soberania. O Terror político implementado pelas vias da juridicidade inibe e viola o pleno exercício da cidadania.
Nos exíguos espaços de liberdade onde hoje nossa Pátria se encontra já temos que medir cada palavra, cada pensamento, sopesar cada mínima consequência de qualquer ínfima e inofensiva palavra. O Big Brother de 1984 faz sentir a sua presença e o Neojacobinismo já deu mostra que tem disposição e ímpeto para buscar sobreviver a tudo e a todos.
Não se entende como uma soporífera reunião de embaixadores onde Presidente Bolsonaro pela bilionésima vez falou mal das urnas eletrônicas pudesse caracterizar abuso de poder que lhe desse benefício eleitoral. Ao contrário, atacando a infalibilidade da urna, foi vítima de um massacre diário em meios de comunicação que redundou-lhe em prejuízo eleitoral. A urna eletrônica é inatacável, quase uma divindade, elevada ao grau de padroeira da democracia do cancelamento. A mais santificadas das urnas fez-lhe perder os direitos políticos e não teremos mais Bozo candidato na TV até o fim dos tempos. O deputado federal mais votado de Ponta Grossa, Jocelito Canto, cujos votos superam os do 2º e o 3ª colocados somados, foi alijado da vitória, deixando seus adversários rindo até 2030, ao se dar efeitos temporais virtualmente infinitos à lei de ficha limpa aplicada contra ele em 2005. Quase 6% de todos os votos válidos do eleitorado paranaense dados ao Deputado Dallagnol foram transformados em lixo sob uma grotesca interpretação da Lei de Ficha Limpa. E, sob a batuta do stalinismo de DCE, o destino do Senador Moro está sendo selado com todos os rituais de passagem para destiná-lo a um ostracismo de mil anos.
Tais absurdos contrariam a soberania popular e esquecem que não se está a tratar apenas do direito individual dos candidatos mas do direito de todos os cidadãos que se viram, neste casos espantosos, roubados de sua legítima representação. Irrelevante a vontade popular, milhões de cidadãos deixaram de existir politicamente neste País que, a cada dia, se transforma na Pátria dos Manés.
Fuad Chafic Abi Faraj é Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná, Promotor da 1ª Promotoria de Justiça de Auditoria Militar e Bacharel em direito pela UFPR. Foi Professor na Escola da Magistratura do Paraná e da Universidade Paranaense.
Conteúdo editado por: Bruna Frascolla Bloise