Uma tríade para estabilizar
A década de 1970 foi marcada por seguidos choques do petróleo, inflacionando grande parte das economias industrializadas à época. No campo teórico, renomados economistas argumentaram de forma contundente a favor das ações da autoridade monetária na busca pela estabilidade de preço, como objetivo primordial. Demonstraram, através de modelos matemáticos sofisticados, que a política monetária não gera efeitos permanentes sobre o nível de emprego. Apenas transitórios. Ou seja, cria-se a possibilidade, por exemplo, de um governo democraticamente eleito utilizar um banco central (BC) subserviente para, discricionariamente, emitir moeda. No curto prazo, teríamos um aumento no nível de emprego e da popularidade do governo. Mas, com o tempo, o BC deixaria a economia sobre um preocupante e persistente processo inflacionário.
Leia a opinião completa de Lucas Lautert Dezordi, coordenador do curso de Ciências Econômicas da Universidade Positivo.
Em seus primórdios, a ciência econômica denominava-se "Economia Política". A diferença não é apenas semântica. Adam Smith e Karl Marx não imaginavam tratar questões econômicas desvinculadas de suas relações políticas e sociais. A "evolução" da "ciência econômica" ao longo dos últimos séculos foi justamente no sentido oposto à visão clássica. A despolitização das questões econômicas passou a ser vista quase como uma exigência de seu caráter científico. A discussão sobre a independência do Banco Central deve ser entendida neste contexto. Sua história recente é vinculada à adoção dos regimes de metas de inflação. Os defensores dessa tese sustentam que, no regime de metas, a independência do Banco Central se constituía numa ação necessária para resguardar os gestores da política monetária de qualquer influência da sociedade que possa desviar suas ações de seu objetivo primordial, o controle da inflação.
Boa parte das discussões atuais é movida por uma constatação que nada tem de científica; em bom português, puro achismo e, até certo ponto, desconhecimento técnico sobre o funcionamento do regime de metas de inflação. A ideia é que a gestão de Alexandre Tombini foi influenciada (ou até pressionada) por forças políticas para ter uma gestão mais leniente com a inflação. Essa análise carece de uma observação técnica básica, a de que o regime de metas de inflação não é um sistema determinístico. Há espaço, dependendo dos parâmetros de preferência estabelecidos pelo Banco Central entre o desvio do produto e o desvio da inflação, para um conjunto de possibilidades de política monetária num determinado período de tempo. De forma mais direta, não há uma única forma de se conduzir a política monetária para atingir o objetivo do controle da inflação.
Não restam dúvidas de que, tecnicamente, o Banco Central, durante a gestão Tombini, elevou o peso do desvio do produto na definição da taxa de juros, política que considero equivocada. No entanto, dizer que isso é fruto de pressões políticas é puro achismo, ou, ainda, é condenar o Banco Central a ter uma única opção na definição da taxa de juros, o que não condiz tecnicamente com a gestão de uma política monetária a partir da regra de Taylor, base para o sistema de metas de inflação.
A questão técnica posta acima, ainda que importante, não é o elemento central. A questão-chave é discutir se numa sociedade que elege democraticamente seus representantes faz sentido tornar imune aos desejos da sociedade uma instituição chave como o Banco Central. O economista sul-coreano Ha-Joon Chang, em trabalho publicado em 2009 no Brasil, coloca o ponto de forma precisa : "A despolitização das decisões políticas em uma democracia significa (...) enfraquecer a democracia. Se todas as decisões realmente importantes são tomadas fora dos governos democraticamente eleitos e postas nas mãos dos tecnocratas não eleitos das agências 'politicamente independentes', para que se manter a democracia?"
Ora, o argumento poderia ser ampliado para outras áreas e setores da sociedade. Se entendermos que a ingerência dos representantes da sociedade é danosa para alcançar os objetivos em outra área ou setor, o caminho será o de tornar independente um amplo conjunto de instituições. Este não parece ser um bom caminho para uma sociedade que pretende ser realmente democrática.
Marcelo Curado é professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico da UFPR.
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