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A dialética das ruas

Tudo previsto, roteirizado. Script e cronograma infalíveis, o capítulo corria célere, o projeto era sólido: desmanchou em horas. Ninguém contava com o efeito deletério das repetições, da rotina, da fadiga, muito menos com a hipótese de impaciência e contrariedade do distinto público com os sucessivos sapos que continuamente era obrigado a engolir. Acostumados à dramaturgia simplificada das telenovelas e apoiados nos mesmos paradigmas de aferição de opiniões, imaginava-se que a fórmula era imbatível: Dilma Rousseff seria reeleita no primeiro turno.

Uma grande dose de arrogância combinada a um incrível teor de subserviência e amadorismo contagiou estrategistas e operadores, protagonistas e coadjuvantes, aliados e oportunistas. Imantada pela polarização, a oposição clonou instintivamente os movimentos do adversário. Resultado: poder e contrapoder foram varridos pela dialética das ruas.

Esta mesma dialética empurrou em poucos dias um impressionante movimento que se orgulhava do pedigree anarquista e libertário para o beco sem saída da truculência antipartidária. Todos os nossos partidos são caricaturas políticas, sem exceção, mas representam legitimamente o pluralismo democrático que uma sociedade infantilizada, clerical e elitista foi capaz de construir nos últimos 25 anos.

A tentativa de expulsar os partidos das ruas não é apenas ridícula; contém uma forte conotação fascistoide. Remete à Itália, lembra o palhaço-facínora Benito Mussolini na sua marcha sobre Roma; lembra o seu êmulo contemporâneo, o palhaço-palhaço Beppe Grillo, do Movimento Cinco Estrelas, contra políticos e política.

Os atos de violência contra equipamentos de diferentes redes de tevê não são acidentais. Fortalecidos pelas mídias digitais, alguns militantes imaginam-se senhores das ruas, esquecidos de que seu universo é virtual; no mundo real as verdades devem ser questionadas e reivindicações, argumentadas. Apenas com tuítes e palavras de ordem não se constrói um país.

Além da prepotência palaciana, o trauma que vivemos resulta de uma enorme inépcia expressa tanto na incapacidade para prever o tsunami como no torpor da reação aos seus efeitos iniciais. Uma perplexidade estendida ao longo de cinco dias – da última segunda até a sexta – perde seu caráter reflexivo, para confundir-se com catatonia pura e simples. As platitudes pronunciadas nas solenidades são indesculpáveis. Chorar seria mais eficaz.

A ventania mudou tudo: agenda, forças, calendário, valores, vocabulário, slogans, parcerias, discursos, prioridades, elenco, dogmas e composturas. No país do futebol, mudou até a ditadura do futebol.

A dialética como conflito e ajuste opera milagres.

Alberto Dines é jornalista.

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