Só um milagre econômico explicaria como, na decadente Bahia de 1944, uma pequena firma de construção à beira da falência chegaria a ser um dia o mais eficaz e bem sucedido grupo empresarial brasileiro. Ninguém, contudo, descartaria a explicação do milagre com mais veemência que seu próprio autor: o engenheiro Norberto Odebrecht, que acaba de nos deixar nos seus ainda jovens 93 anos.
Pela lógica, os gigantes empresariais nascem no centro, nunca na periferia do eixo econômico de um país. Naquele distante Brasil que se industrializava por efeito da Segunda Guerra Mundial, esse eixo se estendia do Rio de Janeiro a São Paulo, formando um triângulo com Minas Gerais. A geografia de concentração se acentuou ainda mais com JK, a indústria automobilística e a construção de Brasília, fator de crescimento das construtoras brasileiras do qual a Odebrecht não se beneficiou. É verdade que a iniciativa de Juscelino para corrigir a concentração, os incentivos fiscais da Sudene para industrializar o Nordeste, ofereceu oportunidades bem aproveitadas pela firma então apenas baiana e nordestina.
Há certa ironia em que o maior sucesso (indireto) da Sudene não tenha sido a industrialização que visava, mas a chance criada para uma prestadora nordestina de serviços se transformar na maior empresa de construção do continente. O dr. Norberto nunca deixou a Bahia, embora com o tempo a firma se tenha expandido a todo o território nacional, antes de se converter no melhor exemplo de internacionalização de empresa brasileira.
Os obituários publicados na imprensa, dos quais destaco o excelente estudo de Eleonora de Lucena na Folha de S.Paulo, realçaram as qualidades de empreendedor econômico e social do fundador. Um aspecto menos comentado é o de criador de cultura, de pensador capaz de racionalizar sua experiência empresarial, dela extraindo valores que permitem perpetuá-la. Nisso é praticamente único entre os empreendedores brasileiros.
Fazer cultura não é só escrever romances ou compor música; é também criar pensamento para gerar riqueza e emprego para a sociedade. Norberto é autor de cultura empresarial original, raiz do sucesso da empresa. Nada deve à moda de importar modelos; é quase o contrário. Parte não da obsessão de apenas criar valor (em termos monetários) para o acionista, mas de dar valor aos seres humanos, a começar por funcionários e clientes. Valorizou humildes mestres de obras, dando-lhes espaço para crescer. Educador antes de tudo, transmitia valores antes de descentralizar responsabilidades. Associou aos benefícios os capazes de autonomia de decisão e desempenho. O resultado é que trabalhar na empresa deixou de ser emprego para se tornar programa de vida por 40 ou 50 anos.
Antes do surgimento do conceito, já entendia a empresa como sistema de conhecimento. Nela se cresce pela inovação e pela autossuperação; a prosperidade da companhia deve reverter em prosperidade para cada um.
Nesta hora em que duvida de si mesmo, o Brasil precisa dos valores legados pelo dr. Norberto: austeridade, modéstia, planejamento, eficácia na execução, rigor sem complacência com os próprios defeitos.
Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) e ministro da Fazenda no governo Itamar Franco.
Dê sua opinião
Você concorda com o autor do artigo? Deixe seu comentário e participe do debate.
Impasse sobre apoio a Lula provoca racha na bancada evangélica
Símbolo da autonomia do BC, Campos Neto se despede com expectativa de aceleração nos juros
Copom aumenta taxa de juros para 12,25% ao ano e prevê mais duas altas no próximo ano
Eleição de novo líder divide a bancada evangélica; ouça o podcast