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Em tempos marcantes, muitas coisas são impactadas e precisam ser reinventadas ao longo desse percurso. A música é uma delas. Desde o início da pandemia do novo coronavírus, o cenário musical vem apresentando uma série de mudanças. Como por exemplo, milhares de shows que aconteceriam em 2020 foram cancelados ou adiados. Até conseguimos superar os adiamentos, mas os cancelamentos machucam. Festivais europeus, americanos, asiáticos – todos cancelados ou adiados. Imagine a logística no retorno desses eventos, seja para fãs ou para as bandas que geralmente recebem os valores combinados antecipadamente. Músicos sem shows não vivem da mesma forma. Boa parte do ganho desses artistas vem de apresentações feitas para seu fãs. E não temos mais isso.
E a pandemia fez muitos deles se reinventarem. Em vez de shows com centenas de milhares de pessoas disputando o melhor espaço para ver seus ídolos, transmissões ao vivo pela internet (lives) diretamente para o conforto e a segurança da casa dos fãs. É claro que a emoção não é a mesma, mas é o que temos. Em termos de custos, os fãs também saíram ganhando, com milhares de opções de entretenimento ao vivo sem precisar desembolsar um centavo. E os artistas viram no patrocínio e no merchandising das lives uma nova forma de serem recompensados pelo seu trabalho.
Acompanhei algumas lives que deram o que falar. Bruno e Marrone, Ludmilla, Raça Negra, Rolling Stones, Capital Inicial e Gustavo Lima tiveram alguns momentos engraçados – justamente por serem proporcionados dentro das casas dos músicos. Estão mais à vontade, as vezes exageram nos drinks e até caem na piscina “sem querer”. Todas as logísticas feitas nesses eventos foram de tirar o chapéu. Qualidade sonora muito boa e limpa. Os espectadores puderam ouvir seus instrumentos e vozes favoritas com mais nitidez. Detalhes que nunca haviam ouvido ou até mesmo visto seus ídolos em outro ambiente, fazendo música.
Outra mudança no cenário musical foram as composições. Garanto que todos esses músicos que estão em casa sem poder fazer turnês estão em casa produzindo música. E música com sentimento. Propósito. Não quero dizer que não faziam antes. Mas com todo esse isolamento, a composição se aflora. Seja por afeto, raiva, paixão, saudade, arrependimento, esperança. A dificuldade alimenta a criatividade.
Temos muitos exemplos de músicas feitas em tempos difíceis que marcaram épocas e uniram a sociedade. Bob Marley fazia isso com maestria, como vimos em “Get Up Stan Up: Stan Up for your Rights” (Levante, Resista: levante pelos seus direitos). Tupac, na música “Changes”, retratava seu cotidiano com clareza e sinceridade sobre os apertos de ser negro nos anos 90, nos Estados Unidos. Aliás, tema que ainda continuamos a comentar depois de tantos anos.
“Heal the World”, linda canção feita por Michael Jackson. Na letra, o artista faz um apelo por um mundo melhor. Antes de entrar na melodia, há uma introdução composta e conduzida pelo maestro Marty Paich (1925-1995), em que uma criança pede: "pense nas futuras gerações e diga que você quer fazer um lugar melhor para uma criança. Assim, elas saberão que terão um mundo novo para viver”. Música feita em 1992. Michael Jackson também compôs, em 1985, “We are the World”, junto com Lionel Richie, Quancy Jones and Michael Ormation. Um single juntando dezenas de cantores famosos da época fazendo uma arrecadação contra a fome na África. Foram arrecadados o equivalente a 63 milhões de reais, na época.
Essas músicas são exemplo de superação e esperança de um mundo melhor. Fator que estamos precisando no momento. A minha esperança, além de que tudo isso acabe logo, é que tenhamos fortes composições com sentimentos e propósitos. Álbuns imortais e expressões que marcarão a vida de todos daqui pra frente.
Leandro Ramos é licenciado em Música, produtor musical e professor de Música no Colégio Positivo.