| Foto: Dong-A Ilbo/AFP

Os 22 atletas norte-coreanos que competirem em PyeongChang este mês não estarão sós: terão a companhia de 230 jovens, todas com pelo menos 1,60 metro e consideradas “belas” pelo Estado.

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A imprensa ocidental começou a chamar essas moças de “exército de beldades”; na Coreia do Sul, são conhecidas como “animadoras de torcida bonitas”. Na verdade, a maioria é de estudantes, selecionadas entre as famílias de classe alta em Pyongyang por causa da lealdade ao partido, do talento musical e da aparência. Essas mulheres são usadas pelo regime no exterior em ocasiões especiais, quando quer mostrar seu melhor lado – ou melhor, lados – ao mundo.

O uso de jovens bonitas para representar a Coreia do Norte não é novidade. Além das animadoras de torcida, há a banda Moranbong, composta só de meninas, cujos membros foram selecionados a dedo por Kim Jong-un. Tem também os restaurantes típicos no exterior, administrados pelo governo, que existem para levantar moeda estrangeira e cujos clientes os frequentam menos pela comida e mais para serem servidos por jovens bonitas que cantam e dançam em shows noturnos.

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Para o regime, a boa aparência não passa de mais um bem que o cidadão é obrigado a doar em nome da República Popular Democrática da Coreia – mas, até aí, nada de novo. Perturbador mesmo é a maneira como o mundo exterior, e principalmente a Coreia do Sul, aceita essas demonstrações de sexismo com promoção estatal.

A fascinação do Sul com as animadoras de torcida do Norte é uma extensão da atitude em relação às norte-coreanas em geral

De fato, o esquadrão norte-coreano de beldades só ganhou notoriedade internacional por causa dos sul-coreanos. Durante um discurso, em 2006, na Universidade Pusan, Kim Dae-jung, o então presidente daquele país, contou a seguinte história: o prefeito de Pusan temia que os Jogos Asiáticos de 2002, que seriam sediados ali, tivessem pouco público. Por isso, levantou a hipótese da participação dos norte-coreanos como atrativo para chamar a atenção; Kim Dae-jung foi mais além, mandando um enviado especial ao líder do Norte na época, Kim Jong-il, para lhe pedir que não enviasse só os atletas, como também a torcida.

“Escolha as garotas mais bonitas”, foi a recomendação. Kim Jong-il seguiu a instrução à risca, enviando 288 moças. Os estudantes irromperam em aplausos quando Kim Dae-jung concluiu a narrativa dizendo que o final não poderia ter sido mais feliz: as meninas eram belíssimas, os jogos foram um sucesso e a cidade de Pusan faturou horrores.

A fascinação do Sul com as animadoras de torcida do Norte é uma extensão da atitude em relação às norte-coreanas em geral, consideradas exóticas, enigmáticas e charmosas em sua ingenuidade.

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Durante visitas anteriores, a imprensa sul-coreana derramou elogios às mulheres locais por sua “beleza pura e inocente”, como se estivesse se referindo a garotas do interior e não à elite da capital do país. A cirurgia plástica é uma das maiores indústrias sul-coreanas; já as nortistas, ao contrário, são vistas como representantes da verdadeira beleza coreana – embora também haja inúmeras intervenções estéticas na classe superior do Norte.

Carlos Ramalhete: As Coreias e a paz (4 de janeiro de 2018)

Leia também: A credibilidade do esporte (editorial de 9 de fevereiro de 2018)

Na quarta-feira, faltando poucas horas para a chegada das animadoras de torcida, fotos delas começaram a pipocar na imprensa sul-coreana; entretanto, há sinais de que a “diplomacia do batom” do Norte talvez já não seja mais tão eficaz quanto antes. Treze anos depois da última visita, em 2005, parece que parte do exotismo evaporou. Mais de 30 mil desertores hoje vivem no Sul, fato que ajudou a remover parte da aura de mistério que tinham. Ao mesmo tempo, os reality shows com participação das nortistas, chamadas “belezas desertoras”, mostrando tudo sobre a vida que levam na terra natal ou participando de programas tipo The Bachelor, em busca de um companheiro, acabou com a ideia de que o país vizinho seja a terra da inocência.

As gerações mais jovens do Sul não só estão mais expostas aos nativos do vizinho como mais desconfiadas em relação à propaganda que prega uma “Coreia unida” que as animadoras representam. E também têm mais consciência da dinâmica sexista: muitos ficaram furiosos com o fato de a equipe de hóquei feminina sul-coreana – por que não a masculina? – ter sido forçada a remanejar suas integrantes na última hora para poder acomodar 12 jogadoras nortistas, sacrificando assim os sonhos das atletas em nome da política. E também defenderam sua própria versão do #MeToo, em outubro de 2016, um ano antes de começarem a surgir as histórias de Harvey Weinstein.

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E, no entanto, se a resposta do público às visitas da ex-vocalista do Moranbong Hyun Song-wol servir de parâmetro, a jovem beldade daquela família certa de Pyongyang nunca vai precisar se preocupar. Hyun chegou a Seul em 21 de janeiro, onde ficou dois dias como parte da delegação norte-coreana. Voltou este mês. A empolgação que cerca suas visitas é tanta que a imprensa criou a expressão “síndrome de Hyun Song-wol”. Praticamente toda a cobertura consistiu na análise detalhada de sua aparência – a estola de pele de raposa e o casaco escuro –, os “olhos intensos”, o “sorriso imponente”.

E os programas mostram infinitos closes de seu rosto. Talvez seja por isso que ela mal tenha falado alguma coisa; quem sabe se não foi escolhida pelo governo de seu país especificamente para posar em frente às câmeras estrangeiras, exibindo a aparência agradável para distrair o mundo do fato de que, por mais perfeitos que os atletas pareçam, marchando todos juntos sob a mesma bandeira na cerimônia de abertura dos Jogos, faz apenas cinco meses desde que a Coreia do Norte realizou seu sexto teste nuclear.

Suki Kim é autora de “Without You, There Is No Us: Undercover Among the Sons of North Korea-s Elite”.
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