Comentei anteriormente que a educação e o ensino são duas ideias diferentes. No sistema atual brasileiro, apenas o ensino é observado pela sociedade e os órgãos responsáveis pela educação nacional, seja no nível municipal, estadual ou federal. O ensino complementa a educação, tendo sua importância devida.
Também já falamos que a educação visa a totalidade do ser humano e, portanto, inicia-se desde o berço e, praticamente, só se conclui na morte terrena da pessoa. Penso que até neste último momento de vida ainda é possível conduzir uma educação, fazer com que se mude o comportamento do indivíduo, fazê-lo alguém melhor para aquilo que está por vir após a peregrina vida terrestre.
Sabemos que a luz da inteligência, também chamada de luz natural, necessita de areté(virtude), segundo os gregos. Não seria possível uma paideia(educação) sem que fossem desenvolvidos no ser humano um conjunto de hábitos favoráveis e voltados para a sua humanidade. Estes hábitos chamamos de virtudes e é o que nós acreditamos que falta na educação moderna. Sem isto as escolas atuais apenas ensinam disciplinas técnicas gerais sobre o afazer humano - longe do que poderíamos chamar de uma educação.
A mentalidade cientificista foi construída desde antes da Revolução Industrial ou da Revolução Francesa. O filósofo inglês Francis Bacon inaugurou a exaltação à técnica, menosprezando a racionalidade dos antigos, aos quais buscavam o conhecimento especulativo das essências e o desenvolvimento prático das virtudes para serem atingidos a nossa própria essência. Em suas próprias palavras: “a verdadeira e legítima meta das ciências é de dotar a vida humana de novos inventos e recursos”, entendendo que a mera apreensão das essências seria uma atividade estéril e improdutiva.
Dessa maneira, não importa o conhecimento da realidade, mas, segundo Marx: “os filósofos se limitam a interpretar o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo”. Transformar ao ponto de decidir sobre onde começa a vida, o que é ser homem ou mulher, para quê a família, o casamento é desnecessário, e por aí vai.
Assim, toda a filosofia da educação foi deixada de lado para se construir uma nova sociedade baseada na técnica e nas ciências, ancorada apenas no que se pode observar com os sentidos externos do ser humano, esquecendo totalmente da psiquê, da alma, da capacidade de inteligir sem utilizar os sentidos externos e internos.
Um erro comum na atualidade é superestimar a verdadeira natureza da ciência, que leva “as pessoas às vezes ficarem assustadas por tais ‘fatos’ aparentemente contradizem as verdades que elas sabem ser imutáveis”.
Muitas vezes este ídolo moderno, a ciência, perturba o pensamento porque contradiz a sua própria fé. Claro é: no fundo, nunca poderia contrariar, pois fé e razão caminham juntas, nunca de forma contrária e se tal fato está ocorrendo, a fé ou a razão precisam ser esclarecidas.
Mas, o que é virtude? Vou utilizar o excelente livro da Mercedes Palet, “A educação das virtudes na família”, para desenvolver algumas ideias sobre este tema que não faz parte da filosofia da educação moderna, nem da pedagogia que a acompanha.
Entender a virtude é muito simples. Tudo na existência tem um fim e o ser humano não é diferente, portanto, ele tem um télos(fim) dado pela sua própria natureza. Dessa maneira, o homem deve ser visto teleologicamente, ou seja, ele será completo e feliz quanto atingir este fim, este télos.
Podemos dizer então: as pessoas que desenvolvem as qualidades que lhe são próprias podem chegar ao desenvolvimento máximo da essência humana, chegando, portanto, à felicidade.
O homem feliz é o homem virtuoso e, de forma contrária, aquele que é vicioso será infeliz porque não caminhará para o seu télos natural
Sabemos que faz parte do ornamento humano o desejo pelo trabalho e a criatividade, mas estes desejos necessitam de um encorajamento e compreensão satisfatórias conseguidos com o desenvolvimento das virtudes.
Diante desta constatação, como fazer para desenvolver esses hábitos chamados de virtudes? Vamos ver a opinião de Palet: “o objetivo primordial da educação é facilitar às crianças os meios, isto é, os hábitos virtuosos, mediante os quais consiga aprender a eleger os bens particulares que concordam com a razão e com a consecução da felicidade”.
Isso implica uma transição do geral ao particular. Pensada teleologicamente, a criança tem uma inclinação natural e espontânea para a Verdade e o Bem. Mas tal inclinação precisa ser particularizada, orientada de modo preciso e concreto para a eleição de certos bens individuais que realmente aperfeiçoam sua natureza e a transformam numa pessoa boa e feliz. A aprendizagem moral é uma “diferenciação virtuosa”. Essa concreção da nossa inclinação geral à Verdade e ao Bem deve acontecer no seio familiar.
A família é como um “útero espiritual onde a criança inicia seu caminho perfectivo para a felicidade”, é o lugar do diálogo, do amor, da liberdade e do desenvolvimento do autodomínio, do autogoverno pessoal, do controle dos apetites e da abertura à transcendência. Neste aspecto familiar, devo lembrar que apenas a boa intenção ou boa vontade não são suficientes, embora importantes, para educar os filhos nas virtudes. Também, buscando ser indulgentes com os desejos dos filhos, perdoando as suas infrações, sendo maximamente flexíveis com suas exigências não ajudaram no processo.
A família - podemos chamar lugar natural do ser humano - é precisamente a encarregada, também por natureza, de educar a pessoa humana para que possa pôr suas capacidades naturais a serviço da virtude e da felicidade.
A missão fundamental e irrenunciável da família, e muito específica dos pais, é a educação dos filhos para a virtude; para a perfeição das faculdades e, principalmente, a retificação de sua vontade pela ordenação do amor
Nisso consiste a missão e a responsabilidade primordial dos pais: amar e trabalhar para que seus filhos, por si e em liberdade, aprendam a eleger, decidir e agir, de tal modo que chegam a ser homens e mulheres de bem e felizes.
Devemos aprender a educar nas virtudes. Mercedes Palet diz que Santo Tomás de Aquino associa a educação ao desenvolvimento das virtudes: “a educação não é outra coisa senão o desenvolvimento do homem, considerado como tal, e seu progresso ao seu estado perfeito, que é aquele no qual é capaz de virtude”. Assim, pois, entendida como a perfeição que a educação persegue, a virtude é a força e o complemento que dá plenitude e aperfeiçoa as potências a fim de que estas possam mover-se e atuar de modo perfeito.
A virtude é necessária para a criança aprender a eleger os bens particulares para concordarem com a razão e com a consecução da felicidade.
A inclinação natural ao Bem e à Verdade, comuns ao ser humano, precisa, mediante a aquisição de hábitos virtuosos, ser orientada particularmente na direção geral do bem. Isto exige do educador também os requisitos virtuosos para educar, além de um conhecimento profundo do sujeito que educa, bem como as suas diferenças e as capacidades individuais.
Quando, pela educação, a razão inclina frequentemente a apetitiva para uma só coisa, então se cria certa disposição firme na potência apetitiva, pela qual se inclina para a única coisa a qual está habituada; tal disposição, firmemente estabelecida, é o hábito da virtude.
Vemos a grande dificuldade que os educadores enfrentam, pois precisam, inicialmente, adquirir neles as virtudes que irão desenvolver nos alunos.
A habituação moral da criança, a educação e a aquisição dos hábitos para a diferenciação virtuosa, devem ser propostos constante e convenientemente aos fins dos atos que está realizando e na adequada medida em que possa compreendê-los.
Ordenar e retificar as potências apetitivas é tarefa que exigirá muito amor e o uso incessante da razão, mas o resultado será a condução do jovem ao caminho da felicidade. Lembrando que o jovem, particularmente o adolescente, está na sua formação definitiva do “eu” e solidificação do ego, fenômeno central da adolescência e carece de uma atenção especial e muito mais paciência por parte do educador.
Acredito que cabe aqui uma explicação sobre o que é o amor de que estou me referindo: o amor da caridade - para além do que se entende hoje.
A consideração reducionista do amor humano a uma simples sensualidade, e a contradição entre cultura e sexualidade que Sigmund Freud sustenta quando afirma que “na culminação máxima de uma relação amorosa não subsiste nenhum interesse pelo mundo exterior; os amantes se bastam a si mesmo e para serem felizes não necessitam do filho”, contrasta essencialmente com Aristóteles, que sustenta não só que os filhos, ao serem um laço e uma união entre marido e mulher, aumentam os vínculos entre os esposos, mas também que, por natureza, os pais amam seus filhos como algo próprio, como amor de amizade que encerra tal prazer e utilidade, capaz de gerar para eles os maiores bens, ou seja, a existência, a criança e a educação.
O exemplo de ação amorosa e educativa vindo dos pais pertence à ordem do intelecto prático e só assim é um princípio de mediação para converter-se, deste modo, não em um princípio de conhecimento, mas em um princípio de ação.
Os pais são pontos de referência e tornam-se exemplo de união. Serão modelos onde os filhos poderão olhar e seguir
Também a família deve ter os requisitos de virtude e ser repetitiva no cotidiano para passar a ideia de normalidade. O “ser virtuoso” deve ser o normal, não o eventual.
Mais uma vez me refiro à importância dada à individualidade do ser humano. Cada pessoa deve ter um tratamento individual, e para cada filho há um tratamento único e um amor individual. Embora muitos imaginem que tratar todos iguais seja sinal de justiça, na verdade, o justo é dar a cada um o que merece, nem mais, nem menos.
Reforço, mais uma vez, a importância da individualidade agora no aspecto do ensino sexual. Entendo que é errado, e acompanho o professor americano Rudolf Allers nesta opinião, de que trazer temas deste tipo em um curso dado em sala de aula não convém. Este assunto é de natureza particular, ainda mais se falarmos de educação para adolescentes. “A situação ideal certamente existiria se os pais fossem capazes de compartilhar as informações necessárias no tempo certo”. Recomendar a um estranho falar sobre isto não é nada conveniente, este assunto exige mais do que nunca a confiança e a amizade próprias de quem tem intimidade com o jovem e quer lhe desenvolver virtudes e não vícios.
Agora temos que nos perguntar quais seriam as virtudes mais necessárias e prementes para desenvolver em nossas crianças e jovens, e permitir que tenham uma vida saudável material e espiritualmente? A resposta simples é: todas as virtudes, simples assim!
Se existe uma determinada virtude é porque é boa para o ser humano, caso contrário não seria virtude. Todos os hábitos voltados para o desenvolvimento da natureza humana devem ser aprendidos por todos os seres humanos.
Entretanto, São Tomás nos lembra que existem as virtudes cardeais, ou seja, são dobradiças e que a partir delas se desdobram outras e outras, construindo, assim, um castelo de hábitos interligados que se aglutinam e favorecem a pessoa no caminho rumo à felicidade.
As virtudes cardeais são a fortaleza e a temperança, voltadas para o corpo e o desejo que compõem o apetite sensível; e a justiça e a prudência, as quais são direcionadas ao intelecto.
A educação nas virtudes deve ser desenvolvida de maneira única, pois não há como passá-las separadamente. Claro que nos primeiros anos de vida o apetite sensível é mais exigido do que os atos do conhecimento, neste caso são mais necessários a fortaleza e a temperança, sendo que isto não pode ser feito sem a prudência “nem tão pouco sem a consideração da justiça”.
Depois de saber os nomes das virtudes, temos que conhecê-las cada uma e isto faremos no próximo artigo. Finalizando, com Santo Tomás, não podemos esquecer “que o homem se exercite simultaneamente nas matérias das virtudes morais” que são a base da estrutura individual e social do ser humano. Mas a prudência é fundamental para dar razão às demais, de nada vale ser um temperante ou justo, ou forte, sem saber o porquê.
A razão desenvolvida com o hábito da prudência é que fará a pessoa crescer como ser humano, não esquecendo, claro, que tais hábitos devem ser exercidos ao longo de toda a vida até o leito de morte. A educação nas virtudes acompanha o homem em sua caminhada até o télos.
Claudio Titericz é coronel da reserva do Exército Brasileiro, bacharel, mestre e doutor em Ciências Militares, bacharel em Teologia, estudante de Filosofia da Educação, ex-diretor de Programas da Secretaria-Executiva do Ministério da Educação e um dos fundadores do Instituto de Biopolítica Zenith.
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