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O atendimento socioeducativo ao adolescente em conflito com a lei é um desafio e necessita de um olhar resiliente e reflexivo, visto que é considerado um momento oportuno de mudanças. Nesse contexto, é preciso ressaltar a importância da oferta da qualificação profissional aos jovens inseridos em um contexto de privação de liberdade, uma vez que, por meio dela, faz-se possível o acesso dos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas ao conjunto de conhecimentos científicos e culturais, que contribuem para seu progresso. Além disso, essas medidas auxiliam na permanência e continuidade de suas trajetórias vinculadas ao mundo do trabalho.
No Paraná, o Programa Estadual de Aprendizagem, financiado pelo Fundo da Infância e Adolescência (FIA) e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), compõe a estrutura de atendimento ao adolescente em conflito com a lei nas unidades socioeducativas do estado, vinculadas ao Departamento de Atendimento Socioeducativo (Dease). Essa parceria da Secretaria de Justiça, Família e Trabalho com entidades sem fins lucrativos, como a Guarda Mirim de Foz do Iguaçu, Centro de Integração Empresa-Escola do Paraná (Ciee/PR) e Rede Nacional de Aprendizagem, Promoção Social e Integração (Renaspsi), tem sido essencial para reinserir jovens na sociedade.
A iniciativa visa recrutar, selecionar, capacitar e supervisionar adolescentes e jovens, além de oferecer a oportunidade de profissionalização na área administrativa aos que têm idade entre 14 e 18 anos, inserindo-os nas 700 vagas criadas nos órgãos da administração pública estadual direta, autárquica e empresas públicas. Estes objetivos fundamentam-se, ainda, nos artigos 62, 63, 65, 67 e 69 do Estatuto da Criança e do Adolescente; no Decreto 5.598/2005, revogado pelo Decreto 9.579/2018; e no artigo 227 da Constituição Federal.
Todo esse programa leva em conta o valor da aprendizagem, uma modalidade de profissionalização assentada no princípio do trabalho educativo, o qual se caracteriza pela prevalência da atividade pedagógica sobre a laboral, conforme preconizado no artigo 68 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Considerando a análise do perfil dos adolescentes em conflito com a lei atendidos pelo sistema socioeducativo do estado do Paraná, no que se refere à situação ocupacional anterior ao cumprimento da medida socioeducativa, percebe-se que a maior parte dos adolescentes estava trabalhando sem registro – 43% dos casos. O segundo maior grupo, 33%, informou não trabalhar na época. Apenas 2% trabalhavam com o devido registro. Além disso, 5% dos jovens nunca tinham exercido nenhum ofício e 0,6% dos adolescentes informaram que exerciam alguma atividade não remunerada no momento anterior à institucionalização.
Pelo número de jovens que não estavam trabalhando ou o faziam sem registro, é fácil perceber que iniciativas que visem a inserção no mercado e a geração de renda são de extrema importância, pois, além de promoverem o estímulo à prática da cidadania e de valores éticos, possibilitam oportunidades de prospecção social dos adolescentes. A aprendizagem ampara os direitos quanto à jornada de trabalho, férias e previdência, e se revela um estímulo para o empenho desses jovens, além de contar com a importante orientação de entidades qualificadas em formação técnico-profissional, garantindo, assim, a permanência nos estudos e nas atividades escolares dos participantes do programa.
Além disso, com a dedicação em ensinar uma profissão e remunerar o jovem por tal atividade, o poder público garante o cumprimento de políticas públicas e oferece a ele a oportunidade de vivenciar a ampliação de suas habilidades, capacidades e qualificação para que, quando adulto, ele possa ingressar de forma mais competente no mundo de trabalho.
Entendemos que a educação e a qualificação profissional no contexto de privação de liberdade não podem ser encaradas como mero cumprimento das legislações, e sim como elemento norteador do processo de formação dos adolescentes. Uma oferta educacional e a qualificação profissional consolidada, qualitativa e, consequentemente, eficaz em seus resultados garantirão um processo de formação integral para o adolescente, na perspectiva de propiciar condições para a retomada de sua vida em contextos diferentes daquele no qual estava inserido quando cometeu o ato infracional.
David Antônio Pancotti é coronel da Polícia Militar do Paraná, chefe do Departamento de Atendimento Socioeducativo (Sejuf) e conselheiro do Centro de Integração Empresa-Escola do Paraná (Ciee/PR).