O Poder Legislativo aprovou lei definindo a junção da estrutura da Secretaria da Receita Federal com a estrutura da Previdência, para fins de arrecadação e fiscalização de tributos federais. Ao aprovar a lei, o Legislativo introduziu uma emenda ao projeto inicial, a "Emenda 3", a qual define que os fiscais federais não têm poder para "desconsiderar" relações de trabalho entre pessoas jurídicas de prestação de serviços e as empresas que as contratam. Isto é, os profissionais liberais proprietários de empresas de prestação de serviços, e que trabalham para outras empresas recebendo seus honorários mediante emissão de nota fiscal de serviços, não poderiam mais ter essa relação de trabalho desconsiderada por fiscais sob o entendimento de que eles deveriam ser registrados como empregados assalariados, com carteira profissional e os encargos trabalhistas e previdenciários pertinentes. Por essa Emenda, somente à Justiça do Trabalho caberia decidir sobre a legitimidade das relações de trabalho.
O presidente da República vetou a Emenda 3. As pressões vindas dos fiscais da Receita Federal, de entidades sindicais e de setores do próprio governo, a exemplo do Ministério da Fazenda e do Ministério do Trabalho, convenceram o presidente de que ele não deveria concordar com a retirada da prerrogativa dos fiscais para "desconsiderar" as relações entre as empresas e os profissionais que recebem mediante nota fiscal das suas empresas de prestação de serviços. O argumento é que a retirada de poder dos fiscais de tributos poderia levar à "precarização" das relações de trabalho. Ou seja, as empresas poderiam se sentir estimuladas a não registrar em carteira profissional os seus contratados, exigindo que eles abrissem pessoas jurídicas, a fim de pagarem menos tributos e fugir dos encargos trabalhistas, como décimo terceiro salário, férias, FGTS e outros.
A intenção do governo pode ser boa, mas os resultados são desastrosos. Mais de 50% dos trabalhadores brasileiros não são empregados com carteira registrada. A realidade do mundo e a modernização da economia fizeram que o mercado de trabalho se tornasse altamente móvel e instável, exigindo flexibilidade nas relações de trabalho. Qualquer que seja o destino da Emenda 3, três providências são necessárias: a) o reconhecimento da validade das relações de trabalho fora da carteira profissional; b) a definição da taxa tributária dos serviços profissionais prestados mediante nota fiscal de pessoa jurídica; c) a delimitação dos poderes e atribuições dos fiscais.
A única coisa que não pode acontecer é a proibição legal das relações de trabalho entre empresas e profissionais organizados com suas pessoas jurídicas de prestação de serviços, pois isso significaria um retrocesso, uma volta a um passado que não existe mais, além de ser um estímulo ao estabelecimento de vínculos de trabalho fora da legislação, o chamado emprego informal. A legislação deve vir para refletir os processos sociais e as mudanças nas relações entre os agentes econômicos. A tentativa de não reconhecer a realidade, por meio de leis adequadas, acaba por estimular as relações ilegais. Não raro, a realidade vence a lei e, quando esta não se atualiza, ela torna-se obsoleta e reduz a ética social.
José Pio Martins é economista.