Os títulos com rendimentos nulos ou negativos em todo o mundo continuam a crescer, estima-se que se trata de algo em torno de 16 trilhões de dólares em volume de negócios. Do Japão, que foi o pioneiro nas políticas monetárias ultraexpansivas, nas últimas duas décadas o fenômeno se expandiu a todos os países desenvolvidos, dos EUA à China, desta à Europa. O que está acontecendo e por quê, quem está ganhando e quem está perdendo?
Estamos vivendo um paradoxo: a poupança não é mais uma virtude mas se tornou um vício. Quem conseguiu poupar, segurando com sacrifício o próprio consumo, e gostaria de obter uma remuneração equitativa da própria poupança, dando-a em empréstimo, deve agora pagar o credor pelo serviço que lhe fornece. Quem, ao contrário, está pesadamente endividado, Estado ou ente privado tanto faz, pode se financiar restituindo menos do que obteve emprestado. A pobre formiga, traída e golpeada; a cigarra esbanjadora, encorajada e premiada. Uma verdadeira piada, consequência das políticas heterodoxas dos bancos centrais, que lançaram uma quantidade impressionante de títulos a taxas negativas; estima-se cerca de 16 trilhões de dólares em todo o mundo.
Se então a dinâmica inflacionária se iniciasse – de acordo com os anseios dos bancos centrais, à ordem de 2% ao ano –, haveria uma perda constante do poder de compra, o que diminuiria o valor real da própria poupança em cerca de um quarto em apenas 10 anos. Para não falar da perda do poder de compra de salários e pensões, que se adequariam de modo atrasado e apenas parcial ao crescimento da inflação: uma verdadeira “taxa oculta”, da qual a classe média e as mais desfavorecidas certamente não tinham necessidade.
A estratégia adotada pelos bancos centrais é portanto a usual: empurrar o problema com a barriga
Vejamos alguns números, úteis para enquadrar a situação paradoxal que estamos vivendo. Partindo da Europa: na Alemanha os títulos do governo têm um “rendimento” inferior a zero em todos os prazos, inclusive para os com vencimento em 30 anos. É um pouco melhor na França, onde o afortunado poupador consegue lucrar um redondo zero investindo em títulos do governo francês em “apenas” 15 anos; abaixo desse prazo, deve pagar para emprestar suas próprias economias. Investindo no país mais endividado da zona Euro, a Itália, obtém-se um “suntuoso” 0,85% em BTPs de 10 anos; no mesmo prazo na Grécia, um país que retornou de um colapso econômico-financeiro, alncança 1,50%. Na virtuosa suíça, obtém-se de -1%, no curto prazo, a -0,30% nos de 50 anos. É um pouco melhor nos EUA, onde os decenais rendem cerca de 1,50% (como os títulos gregos) e em nenhum prazo há rendimentos com ganho zero. No Japão, o país que segue há anos políticas monetárias ultraexpansivas, a dívida pública vê todos os vencimentos abaixo de 15 anos em zona negativa.
Nestas condições por que investir? Melhor manter o dinheiro, sempre que este também não seja taxado. É normal que as economias não sejam remuneradas mas penalizadas, que se incentive quem se endivida, que se impulsione de forma artificial investimentos e consumos, que se incentive o risco moral e se movimente a riqueza dos poupadores/credores aos devedores? Não se corre o risco de favorecer investimentos economicamente inadequados e acessíveis apenas graças à alavancagem financeira, o chamado malinvestment? Os Estados não ficam, assim, incentivados a aumentar a despesa pública contando com a “monetização” do débito favorecida pelo Banco Central? Não se veem, enfim, perigos de redistribuição de riqueza em detrimento das classes mais desfavorecidas, isto é, dos pequenos poupadores que estavam habituados a contar com cupons de títulos como proteção de suas poupanças e incrementação de sua renda?
A introdução nos circuitos financeiros de enormes fluxos de liquidez pelos principais bancos centrais do mundo – dezenas de milhares de bilhões de dólares a partir da grande crise financeira de 2007/08 – elevou os preços de ações e títulos, a chamada asset inflation, independentemente de qualquer lógica de valor intrínseco. Não há riscos de desencadear bolhas, como a experiência dos últimos 30 anos deveria ter nos ensinado ad abundatiam? Criar dinheiro do nada e alterar seu valor artificialmente – a moda de falsificadores modernos – vai confundir indevidamente os cálculos de conveniência econômica que devem estar na base do consumo, da poupança e dos investimentos, favorecendo escolhas erradas. E cedo ou tarde, como se sabe, a conta chega.
Como e por que os bancos centrais levam adiante há anos, de modo obstinado, políticas tão arriscadas?
O “como” é simples de explicar: enquanto os rendimentos dos títulos dependam de fatores como a capacidade de pagamento do devedor, o prazo e o valor do título, a quantidade de reservas disponíveis e a demanda de investimentos, os bancos centrais intervêm comprando fortemente títulos, especialmente títulos do governo, com dinheiro criado ex-nihilo, fazendo com que os preços subam e o rendimento caia, a ponto de empurrar os retornos para uma zona negativa.
Por que o fazem? As economias desenvolvidas estão atravessando uma fase geracional de envelhecimento demográfico, unida a uma elevada exposição a dívidas dos Estados e/ou do setor privado. Para sair do impasse, na impossibilidade de inverter velozmente a tendência concentrando-se no crescimento e na recuperação da produtividade, a atalho mais simples politicamente é a de desvalorizar os débitos em termos “reais”. Não podendo fazer o default de jure, fazem então o default de facto: a dívida não é mais remunerada e, permitindo a inflação, será reembolsada, desvalorizada em termos reais. O credor terá sim seu investimento restituído mas, considerando a perda do poder de compra por causa da inflação, desvalorizado em termos reais (com juros negativos em termos nominais). Sem fazer muito barulho. O verdadeiro motivo pelo qual os bancos centrais estão frustrados com o fracasso em iniciar a inflação, portanto, reside precisamente na necessidade de rapidamente desvalorizar as dívidas do sistema, e, se a inflação não parte, os débitos apenas se estabilizam, não diminuem em termos reais.
Em 10 anos, com taxas zero e uma inflação a 2%, realizar-se-ia um transferimento de cerca de 25% da riqueza dos poupadores-credores aos devedores, in primis os Estados. Um jogo de soma-zero: uma ótima notícia para todos os devedores, especialmente para o Tesouro italiano que poderá assim finalmente economizar juros sobre a enorme dívida acumulada e, esperançosamente, reduzir a relação dívida/PIB; a conta seria obviamente paga pelo BOT people.
Em tal contexto se tornará sempre mais difícil para os poupadores protegerem o poder de compra das próprias economias e muito árduo para os fundos de pensão e as companhias de seguro fornecerem rendimentos sem elevar o nível de risco. Os mesmos bancos, em cujos portfólios de aquisições os títulos do Estado representam tradicionalmente o componente majoritário, terão grandes problemas para manter uma rentabilidade adequada, ainda mais em um contexto em que eles levam a liquidez de seus clientes ao BCE, sofrendo uma penalidade anual de 0,5%. E quando virão as taxas negativas até sobre as contas correntes dos clientes, como proposto por Jean Pierre Mustier, administrador delegado da Unicredit e presidente da Federação Europeia de Bancos?
Em suma, as distorções desencadeadas por políticas monetárias ultraexpansivas são agora evidentes para todos os observadores: o problema é que ninguém sabe como escapar do beco sem saída onde nos encontramos sem deflagrar uma nova grande crise financeira como a de 2007/08. A estratégia adotada pelos bancos centrais é portanto a usual: empurrar o problema com a barriga, enviar a um futuro indefinido a solução, continuando indefinidamente com as mesmas políticas, esperando uma saída inflacionária da crise. Se a crise geracional que estamos atravessando tem causas “reais”, tanto demográficas como culturais, é contudo ilusório esperar uma solução “financeira”. Não existem atalhos.
Maurizio Milano, bacharel em economia pela Università degli Studi di Torino, é diretor de análises técnicas do Banco Sella Holding.
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