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O trabalho só pode trazer dignidade à vida de alguém que possa optar por uma vida para além dele. Não uma vida sem trabalho, mas uma vida em que o trabalho não seja o começo, o fim e o meio de existência. O trabalho deve existir em conjunto com outros elementos individuais e coletivos que constituem a complexa experiência humana para além das raias da produtividade.
É por isso que muito se fala da necessidade de o trabalhador cuidar, individualmente, de sua saúde mental, buscando o equilíbrio entre vida profissional, atividades físicas e socioculturais, mas a mesma atenção deve ser dada ao papel desempenhado pela empresa e, de forma mais ampla, pelo Estado, na garantia de condições mínimas para essa fruição. O trabalho complementa o cotidiano do sujeito que o exerce, mas se torna uma patologia quando rouba a identidade do trabalhador, substituindo-a de forma massacrante por um ciclo de existência que não o deixa respirar, pensar e agir para além de sua realidade laboral.
Se o contexto em que essa pessoa se insere é opressivo, se sua vida é voltada simplesmente à sua sobrevivência – pagar contas, alimentar-se, pagar aluguel – seu mal-estar não estará associado principalmente a questões endógenas ou a hábitos que podem ser alterados
É urgente, portanto, que se repense as escalas de trabalho insustentáveis, inclusive para a saúde – como é o caso da escala 6x1 – e se direcione a discussão para o lugar ao qual pertence acima de tudo: o bem-estar de homens e mulheres que buscam no trabalho o meio para viverem dignamente, mas não o fim próprio de suas vidas. Porque o direito ao trabalho, em termos constitucionais, também abrange o direito ao não-trabalho, o tempo de descanso semanal remunerado que possibilita ao trabalhador desenvolver atividades estranhas à laboral, atividades essas que ajudam a construir sua própria subjetividade, seu senso de pertencimento comunitário não necessariamente atrelado à atividade produtiva da qual participa em seus dias trabalhados.
E por mais que se tenha buscado, até o momento, fazer uma discussão centrada nos efeitos econômicos da limitação de escalas exaustivas, essa é, acima de tudo, uma questão urgente no contexto dos direitos sociais. A eliminação da escala 6x1 parece ser a melhor interpretação possível para o artigo sexto da Constituição Federal: o trabalho como direito social se aproxima do lazer, da alimentação, da educação e da saúde, que por terem valores semelhantes, devem coexistir no espaço da vida de alguém.
Já no artigo sétimo, em seu caput, é destacada a busca incessante por melhorias nas condições sociais de trabalhadores urbanos e rurais. A escolha da palavra não é aleatória. O trabalho não deve alienar, separar a pessoa de seu meio social. Ao contrário, deve participar de sua integração. E deve, sobretudo, suportar os períodos de ausência do trabalhador naquele que, ao contrário, seria um contínuo ciclo de exaustão.
Ignorar isso em prol de uma discussão puramente econômica é transformar o trabalhador em mero número, em alimento estatístico para notícias que destacam apenas a possível queda de produtividade que ocorrerá se os trabalhadores conseguirem melhores condições existenciais – um clássico da retórica contrária aos direitos dos trabalhadores. Por isso, é importante lembrar que para além da projeção de efeitos imediatos na economia brasileira, a discussão sobre a escala 6x1 é uma discussão sobre a saúde e o desgaste físico e mental de homens e mulheres que vivem exaustos, que não conseguem se recuperar de uma semana de trabalho, que não têm tempo para planejar, estudar, viver com família ou amigos.
E não há autocuidado ou acompanhamento profissional que resolva essa forma de violência: se o contexto em que essa pessoa se insere é opressivo, se sua vida é voltada simplesmente à sua sobrevivência – pagar contas, alimentar-se, pagar aluguel – seu mal-estar não estará associado principalmente a questões endógenas ou a hábitos que podem ser alterados, mas a fatores exógenos sobre os quais tem pouco ou nenhum controle – o trabalho exaustivo sendo um deles, e talvez o mais brutal.
Pedro Amorim de Souza, mestre e doutorando em Teorias Jurídicas Contemporâneas pela UFRJ, é coordenador da área consultiva do Martins Cardozo Advogados Associados.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos