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A escola que temos hoje em dia, que é objeto de nossas reivindicações mais comprometidas com o presente e com o futuro de nossas crianças, jovens e adultos, configurou-se nos últimos dois séculos. Ou seja, a escolarização que praticamos hoje em grande escala é um dado histórico relativamente recente que não se confunde, por exemplo, com o que se denominava educação na Antiguidade ou no longo período denominado pela historiografia como Medieval.

A educação na forma escolar não é necessária para aprender, tampouco para ensinar. A educação na forma escolar é necessária para aprender e ensinar muitos ao mesmo tempo, sob o fluxo do mútuo entendimento, no âmbito de interações que demonstram que a principal característica da escola é a convivência.

A cultura escolar, conceito esse elaborado ricamente na França, diz respeito àquilo que se tornou específico da escola, instituição que tem “seu” tempo, “seu” espaço, “sua” materialidade, “seu” conteúdo. Tudo isso se mostra “ao mesmo tempo”, articuladamente, para que o trabalho educacional se desenvolva com todos e para todos.

A escola é a mais engenhosa arte de sincronização que a humanidade produziu até hoje. O sujeito social historicamente criado nas sociedades escolares é o sujeito que não consegue se separar da impregnação que todos os outros trazem ao formar-se de cada um. Por isso, a escola tem na palavra convivência sua razão de ser.

A escola é a mais engenhosa arte de sincronização que a humanidade produziu até hoje

Por isso, também, a opção pelo ensino domiciliar é uma falsa opção, pois, ao reduzir o processo de aprendizagem à retenção de conteúdos, se perde aquilo que a convivência tem a ensinar e a produzir na criança e no jovem e que não se recupera em nenhuma outra experiência pessoal.

Conviver é, seguramente, o maior desafio que nossa sociedade enfrenta nos dias que seguem. Tivemos uma de nossas escolas públicas invadida pela violência, pela dor e pelo absurdo do assassinato produzido em escala cinematográfica e com base em argumentos de ressentimento e ódio.

O horror e a estupefação foram imediatamente acompanhados da produção de análises sobre causas e origens de atos tão barbaramente desumanos. Especialistas e não especialistas apontaram causas derivadas, por exemplo, do envolvimento com games de estimulação violenta, ou com famílias desestruturadas, ou com drogas. Até a escola chegou a ser responsabilizada por “deixar o portão aberto”, algo parecido com o argumento “usar saia curta” com o qual mulheres são responsabilizadas pelo assédio que sofrem.

Mas o que em primeiro lugar deve ser destacado é que os jovens que atiraram, o fizeram porque tinham armas para isso. Obtiveram com facilidade e conviviam com inúmeras formas de canalizar o ódio e o desequilíbrio para o uso de armas. Sem armas, teriam se dirigido à escola?

Leia também: A escola que temos e a que queremos (artigo de Ademar Batista Pereira, publicado em 13 de outubro de 2017)

Leia também: Educação é outra história (artigo de Fausto Zamboni, publicado em 2 de agosto de 2018)

Estamos diante de jovens que se deixam permear pelo constante elogio da violência como forma de resolver problemas. Jovens que se sentem convencidos com o argumento de que a violência somente será contida com o armamento de “ambos os lados”. Ao mesmo tempo, assistimos uma banalização da civilidade sem precedentes.

É realmente surpreendente que num contexto em que tortura, escravidão, misoginia, homofobia, xenofobia são naturalizados jovens queiram destruir a vida? É realmente surpreendente que num contexto de progressivo racismo, aversão a direitos humanos e desqualificação constante da educação pública, jovens queiram ocupar manchetes como heróis do morticínio?

Quando escutamos inúmeros protagonistas da cena política “exigindo” o armamento da população, conseguimos entender que aqueles jovens que atiraram são consequências, não causas de nossos maiores desatinos.

Aquilo que causa um problema nunca pode ser solução. E foi um pai que perdeu o filho nessa tragédia, que perdeu sua alma, portanto, que teve o transbordamento digno mais exemplar, e que destoa visceralmente desses que não cessam de banalizar a violência. Disse aquele homem destruído: “foi uma criança quem matou minha criança”.

Flavio Gordon: A escola dos bárbaros (publicado em 4 de setembro de 2017)

Leia também: Esperança para a educação brasileira: práticas simples e efetivas (artigo de Márcia Teixeira Sebastiani, publicado em 18 de agosto de 2018)

A escola é um lugar necessário para que nossas crianças convivam. Simplesmente convivam. É seguramente o maior antídoto que temos às violências de toda ordem. A convivência escolar não diz respeito apenas aos exemplos edificantes e aos conteúdos essenciais. Diz respeito, acima de tudo, ao encontro diário de todas as fragilidades, de todas as vulnerabilidades, de todos os pedidos de socorro, de todos os sonhos e pesadelos em comum.

A convivência é a lembrança, segundo após segundo, de que devemos garantir à escola o protagonismo na organização da vida social de crianças e jovens. É dela e é nela que podemos esperar o elogio da delicadeza, e não a valorização da força e da brutalidade. O elogio da ação conjunta, fraterna e solidária e não o embrutecimento presente na produção contínua de inimigos a derrotar, a superar, a eliminar. Para alguns jovens, tem sido mais fácil adquirir armas do que livros. Tem sido mais simples abrir mão de si, do que procurar a mão de outrem.

A tragédia de Suzano deve ser um marco para todos os educadores do país. Que cada um se lembre do quanto é imprescindível, mesmo que se sinta desrespeitado como nunca antes. Que cada um se lembre que conviver é impedir o tempo todo que a indiferença desumanize nossas vidas. Esse é o legado da escola, essa é a razão de ser da educação.

Gilberto Alvarez Giusepone Jr. é diretor do Cursinho da Poli e presidente da Fundação PoliSaber.
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