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Artigo

A escola dos bárbaros

 | Robson Vilalba
(Foto: Robson Vilalba)

“Cria corvos e eles te arrancarão os olhos” (provérbio espanhol)

“A pedagogia é a propedêutica do socialismo” (Alain Besançon)

Há alguns dias, assistimos horrorizados às imagens da professora Marcia de Lourdes Friggi, 51 anos, toda ensanguentada após ter sido covardemente agredida por um aluno em uma escola de Indaial (SC). Não se trata de um caso isolado. Segundo dados recentes da OCDE, o Brasil ocupa a posição número um no ranking de agressão a professores. Uma rápida busca na internet basta para nos fornecer imagens similares, que revelam uma situação tornada endêmica, e que, sob uma perspectiva geral, se insere no contexto de uma sociedade das mais violentas no mundo. Há violência dentro da escola porque, enfim, há violência em toda parte. Esse é um modo de encarar o problema.

Mas há outro. Pode-se discernir algo de específico na violência escolar brasileira, relacionado a um processo de pelo menos cinco décadas, quando as instituições responsáveis por nossa política educacional foram sequestradas por facções de radicais políticos (dentre os quais, lamentavelmente, a própria professora agredida, para quem a violência física contra desafetos políticos é não apenas aceitável como virtuosa). Movidos por toda sorte de perversão político-ideológica, esses radicais vêm corrompendo a função da escola, submetendo-a às metas da utopia revolucionária.

Aquela corrupção ideológica do ensino tem partido de dentro das faculdades de Educação e Pedagogia, muito mais dedicadas a formar militantes políticos de esquerda do que professores legítimos. Um dos efeitos mais nocivos de todo esse processo é que, confusos quanto ao seu papel institucional original, os professores (hoje sintomaticamente tratados por “facilitadores” na hedionda verborreia piagetopaulofreiriana) acabam perdendo o respeito dos alunos. Um rigoroso professor de Matemática inspira temor reverencial nos alunos. Um militante que grita “Fora, Temer!” em sala de aula inspira-lhes apenas um sentimento de vale-tudo.

A corrupção ideológica do ensino tem partido de dentro das faculdades de Educação e Pedagogia

Não há escapatória: a autoridade do professor deriva necessariamente de sua superioridade intelectual sobre o aluno, e só dela pode extrair a sua legitimidade. Na ausência de conhecimento a ser transmitido, tudo o que sobra é a pedagogia, essa falsa ciência que toma a si mesma por objeto, e que tem sido o doce refúgio dos medíocres (militantes, doutrinadores, sindicalistas etc.). Sem a autoridade que nasce do domínio de conteúdos disciplinares específicos, o ambiente escolar vira uma arena de posições indiferenciadas, e a indiferenciação, assim demonstrou René Girard em sua obra, é semente da violência.

Como explicam Françoise Thom e Isabelle Stal no livro A escola dos bárbaros (1985), uma obra demolidora sobre a crise educacional na França, desde os anos 1960 – e, de forma mais aguda, depois de maio de 1968 – as escolas converteram-se em laboratórios para os modismos pedagógicos. Um desses modismos consiste em uma versão letiva da utopia socialista da “sociedade sem classes”. Trata-se de uma proposta radical de igualitarismo, não apenas nas condições de partida dos alunos, o que seria até razoável, mas nos resultados. Nesse “geometrismo mórbido” (na expressão de Gusdorf, em sua crítica a Piaget), toda diferença de aptidão é tida por privilégio de classe; toda hierarquização de papéis, por opressão.

Contra a diferença e a hierarquização, a pedagogia revolucionária propôs um nivelamento a fórceps, uma espécie de tabula rasa de onde deveria emergir o novo aluno, assim como da ditadura do proletariado emergiria o “novo homem”. Teve início uma valorização da espontaneidade, do “vivido”, da livre manifestação dos sentimentos. Numa espécie de pedagogia à la Foucault, a escola foi igualada à caserna e ao hospital psiquiátrico, todos equiparados à prisão, no sentido de um espaço para o controle e a “disciplinarização do corpo”.

Foi baseada nesse tipo de sandice, por exemplo, que uma doutora em Educação, professora titular da Unicamp, não se vexou em tratar a depredação escolar como forma legítima de contestação a um sistema opressor dedicado a vigiar e punir. Segundo a jacobina travestida de educadora, as escolas erram em adotar um juízo maniqueísta, distinguindo entre bons (os que não depredam) e maus alunos (os depredadores). Em suas palavras, que cito textualmente: “Esse procedimento impedia que a depredação resultasse em formas mais amplas de manifestação e que os alunos radicalizassem suas críticas à escola, pois eles mesmos acabavam associando depredação com ‘marginalidade’, e muitos até se culpavam por suas reações, não percebendo que a violência primeira partia da própria escola...” (grifos meus).

Sim, vocês leram certo: a culpa da depredação é da escola, que faz com que os alunos depredadores (pobrezinhos!) se sintam mal por depredar. Pergunto: como é que um tal raciocínio, cultivado por nossos “especialistas” em educação, poderia levar a outra coisa senão ao desrespeito generalizado e à violência? Como é que décadas dessa cultura pedagógica venenosa poderia resultar em algo além de um ambiente escolar degenerado, em que professores e alunos terminam reduzidos à condição de black blocs?

Também no Brasil, toda essa degradação educacional teve início em 1968, o maldito ano que nunca termina! No conhecido livro que escreveu sobre o período, Zuenir Ventura relata uma assembleia estudantil ocorrida na Faculdade de Economia da UFRJ, exemplificando o começo de um processo de total quebra da hierarquia dentro da universidade. “Naquela tarde”, conclui, “os estudantes iriam inverter os papéis, rebaixando os professores à condição de alunos”.

O fenômeno se deu em todas as esferas educacionais, do ensino básico ao superior, com o resultado a que ora assistimos. Afinal, parodiando o célebre dito do poeta Heinrich Heine, segundo o qual “onde se queimam livros, acaba-se queimando pessoas”, não é absurdo dizer que, onde se quebra a hierarquia, acaba-se quebrando cabeças.

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