Dias atrás, eu e muitos dos meus compatriotas nos irritamos com a defesa contundente da permanência de presidente Dilma Rousseff no Palácio do Planalto feita por Roberto Setúbal, presidente do Banco Itaú, alegando que o impeachment de Dilma poderia criar uma “instabilidade ruim para nossa democracia”. Não consigo entender como um homem à frente de uma organização que administra tanto dinheiro de tanta gente pode assumir uma postura de tamanha leniência (palavra tão em voga) diante da desorganização e falta de ética que vemos no atual cenário político nacional.
Ao mesmo tempo, posso imaginar a razão de Setúbal; afinal, conforme brada o velho e bom provérbio ítalo-chinês, em time que ganha não se mexe; se este time é a economia brasileira, o Itaú vai bem, obrigado.
Há uns dois anos, eu jantei a poucos metros de Setúbal em um restaurante na Praça Vilaboim, em São Paulo, e logo senti aquela incontrolável coceira nos sapatos para sair correndo e pedir um autógrafo, mas, diante daquele topete que emanava tanto poder e radioatividade financeira, me intimidei. Juntamente com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e Jorge Paulo Lemann, Setúbal seria um dos poucos gigantes para quem eu pediria um autógrafo. Eram o triunvirato do neoliberalismo; nossos ícones no curso de Economia na faculdade.
Não entendo Setúbal e nem FHC, mas entendo que Dilma tem de sair
Fernando Henrique Cardoso, que sabemos ser ainda uma das reservas morais e éticas de nossa política, é outro que surpreendeu. Saiu como um ninja do nada, com sua espada, proclamando em 9 de agosto que um eventual impeachment da presidente Dilma Rousseff “não adiantaria nada”. Recentemente, diante das críticas dos oposicionistas neste jogo de morde e assopra, FHC desceu do muro e pediu a renúncia de Dilma.
Não entendo Setúbal e nem FHC, mas entendo que Dilma tem de sair. É com o perdão dos adjetivos que classifico essa gestão de incompetente, irresponsável e negligente. Dilma causou danos irreparáveis ao Estado e aos brasileiros pela força de seu primeiro mandato. Setúbal dizer que tirar Dilma, apesar de tudo, é criar um ambiente de instabilidade; ou, como disse o ex-presidente FHC, que impedi-la não adiantaria nada, para mim é mais ou menos como dizer que reduzir a maioridade penal para 16 aos é inviável porque vai abarrotar as cadeias. É fazer proselitismo do candidato que rouba, mas faz; é não colocar uma meta. É deixar uma meta aberta e, quando atingir a meta, dobrar a meta.
Uma coisa não tem nada a ver com outra, deixá-la no poder para evitar instabilidades momentâneas não é solução para o Brasil até porque, com sua falta de credibilidade, dificilmente ela conseguirá reconduzir o país aos bons caminhos e jamais será exemplo para esta geração. Tais declarações são, portanto, paradoxais: tanto a do empresário da primeiríssima liga quanto a do estadista da casta mais alta e que, en passant, é o líder político da oposição.
José Saramago, contrapondo o poeta John Donne, escreveu que todo homem é uma ilha; eu digo que, quando o assunto é falta de ética social, a apatia e a falta de reação têm sido a consequência. Estamos vivendo um momento de obscurantismo em que alguns empresários, políticos e intelectuais estão passando férias todos nesta mesma ilha.
Estamos contagiados pela síndrome de Estocolmo coletiva. Nossos governantes sequestraram nossos princípios sociais, nossa ética e nossa prosperidade econômica, mas ainda assim continuamos a protegê-los de quem os ataca ou de suas próprias trapalhadas.
Roberto Setúbal afirma o seguinte sobre o impeachment por corrupção: “pelo que vi até agora, não tem cabimento”. Mas como? Não tem cabimento? Que parte do filme ele não viu? Estava fazendo hora extra no banco? Dilma é alvo de investigação do TSE, com robustos indícios de que, durante o processo eleitoral, os Correios, a televisão e a máquina pública foram usados indevidamente. No TCU, há investigação por sua improba gestão e pedaladas fiscais.
Uma chefe de Estado que mentiu durante toda a campanha não tem ética para cuidar deste povo tão sofrido, além de ter em seu currículo uma presidência do Conselho Administrativo da Petrobras e passagem como ministra de Minas e Energia, tendo transformado uma das maiores empresas do mundo em uma empresa em frangalhos. Um gestor como este ou não tem ética, ou é incompetente. Por exclusão e por republicanismo, não sobrou alternativa para sua permanência.
Ética é o que está acima dos indivíduos, é o que entendemos por bem comum, das iniciativas que devemos ter para o bom convívio social de cada qual e o bem de todos. E este é o único norte pelo qual devemos nos guiar, é o “um por todos e todos por um”. Para os políticos, significa reconhecer os erros em prol de um objetivo suprapartidário; para o empresariado, significa retomar os rumos de nossa economia olhando para os lados e para a frente, e não para o umbigo. Nosso norte significa, daqui em diante, única e exclusivamente o caminho do bem comum, do laissez faire, do livre mercado e da democracia que vem impulsionado as principais economias do mundo e trazendo o bem-estar para a sociedade.
Quanto ao terceiro ícone de nosso triunvirato na faculdade, Jorge Paulo Lemann, até agora nada declarou sobre o cenário político atual; oremos, irmãos, oremos.
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