O uso de animais ainda é fundamental para a manutenção e o funcionamento da nossa sociedade, seja para alimentação, desenvolvimento de tecnologias ou para companhia. Obviamente, como bióloga, acredito que o correto seria que todos os animais fossem sujeitos de sua própria vida e tivessem garantido o direito à sua existência, em conformidade com as características biológicas e ecológicas de sua espécie. Contudo, é utopia acreditar que no curto e médio prazo conseguiremos conduzir os avanços científicos, sociais e econômicos sem o uso de animais. Mesmo assim, não é devido a essa constatação que devemos ficar de braços cruzados.
Os dilemas éticos devem ser resolvidos com consenso e, concomitantemente, devemos direcionar nossa criatividade e tecnologia à busca de alternativas. Enquanto não alcançamos a total possibilidade de substituição, devemos estabelecer regras de conduta no tratamento dos animais que estão sob nossa tutela e respeitar ao máximo aqueles que, mesmo sem a sua concordância, justificam a sua existência para nos auxiliar. Em nenhum momento da história, após o Renascimento e o Iluminismo, os animais estiveram em tal posição, amparados pela legislação e apoiados pela sociedade, que se mobiliza em prol de seu status moral.
A comunidade internacional, buscando regulamentar o uso de animais para finalidade acadêmica e científica através da contenção de abusos e, principalmente, estimulando a postura ética por parte daqueles que têm os animais como seus objetos de pesquisa , conduziu à exigência legal de que instituições que usam animais estruturem comitês científicos. Estes órgãos são regulamentados no Brasil pelo Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), que publicou no mês passado resoluções normativas extremamente detalhadas que servem como diretrizes para manutenção e manipulação animal, visando em um primeiro momento à eliminação de qualquer sofrimento físico ou mental daqueles seres que ainda são imprescindíveis, cujo benefício para a ciência supera os custos de suas vidas e, paralelamente, incentivam a busca de alternativas substitutivas.
Uma das questões mais importantes desta lei é a previsão, no Comitê, de que haja um membro de ONG legalmente constituída, representando a sociedade civil, garantindo tanto a transparência das práticas realizadas quanto o posicionamento da sociedade. Por incrível que pareça, essa é a maior dificuldade dos comitês, pois os representantes das ONGs alegam não ter tempo, recursos e interesse em participar das reuniões.
A opinião da sociedade é extremamente importante para mudanças de paradigmas éticos a fim de restabelecer o equilíbrio na relação com a natureza. Para tal, dispomos de diferentes ferramentas, tais como a bioética, e que são mais eficientes que os manifestos radicais, pois conduzem ao diálogo entre os envolvidos visando chegar a um consenso, em um momento em que as regras morais já não conseguem gerir os conflitos de interesse diante de tantos problemas éticos.
Marta Luciane Fischer é coordenadora do Comitê de Ética no Uso de Animais da PUCPR.