“Os jovens estão com medo da vida. Eles olham para o futuro e não veem perspectiva nenhuma. Temem catástrofes naturais, epidemias, uma possível terceira guerra mundial, novas recessões econômicas…”.| Foto: Anemone123/Pixabay
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Em O mito de Sísifo, o filósofo existencialista Albert Camus escreve: “Só existe um problema filosófico realmente sério: é o suicídio. Concluir que a vida vale ou não vale a pena ser vivida é responder à questão fundamental da filosofia”. Camus descreve com exatidão a crise que toda pessoa enfrentará em algum momento da vida: cometer ou não cometer suicídio? Após vivenciar os horrores da Segunda Guerra Mundial, Camus é movido a questionar a razão de alguém continuar vivendo e não se matar – visto que a vida era injusta, os homens eram maus e o universo parecia não ter propósito algum.

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Hoje continuamos a enfrentar fome, guerras, pobreza, injustiças e epidemias no mundo. Logo, a observação de Camus continua relevante; é o famoso “ser ou não ser” de Shakeaspeare, expresso em Hamlet. Decidir “existir” ou “não existir” permanece como o grande problema filosófico, não só do indivíduo, mas de toda uma geração.

A mais nova geração de jovens, conhecida como Geração Z, está lidando com essa crise existencial e respondendo que o suicídio (o não ser) é a melhor opção. O “Fatal Injury Reports” registrou um aumento de 46% a mais de suicídios de jovens de 15 a 19 anos só no ano de 2015. Com a pandemia de Covid-19 a situação piorou ainda mais. Reportagempublicada em 24 de janeiro de 2021 no The New York Times afirma que, num período de oito meses de pandemia, o condado de Clark, em Nevada (EUA), recebeu mais de 3,1 mil alertas de alunos que relataram pensamentos suicidas, possíveis lesões autoprovocadas (self-cutting) ou gritos de socorro. Só no mês de dezembro 18 estudantes haviam cometido suicídio, o que é o dobro do número de alunos que tiraram a própria vida no condado em todo o ano de 2019. De acordo com o jornal, “um aluno deixou um bilhete dizendo que não tinha nada pelo que esperar”.

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As razões dessa explosão mundial de suicídios entre os mais jovens são diversas. Consoante as autoridades da área da saúde mental, o “homicídio de si mesmo” é o encerramento de uma rota que na maioria das vezes começa com a depressão – suicidas geralmente sofrem de transtornos mentais. De acordo com George Minois, em sua História do suicídio, embora haja suicídios revolucionários (como os que ocorreram durante a Revolução Francesa, no século 18), filosóficos (conforme descrito por Camus) e religiosos (como os efetuados pelos homens-bomba do Islã), a maioria dos suicídios praticados entre os jovensé considerada comum. Suicídios comuns são motivados por questões sociológicas e psíquicas, como depressão, loucura, vingança, desespero, miséria, honra e solidão.

No caso dos centennials (membros da Geração Z), a solidão talvez seja o grande fator motivador de suicídios. Andrew Solomon, em Um crime da solidão, discorre sobre aquilo que acredita ser o maior risco do suicídio: “Pessoas que acreditam que ninguém sentirá falta delas contam com pouca coisa a servir de barreira entre elas e o ato final”. A solidão empurra os jovens para o abismo, mas por detrás dela se encontra o medo de viver. Conforme Søren Kierkegaard afirma em Conceito de angústia: “Quando a pior coisa que você conhece na vida é a morte, você quer viver, mas quando a pior coisa que você conhece na vida é a obrigação angustiosa de existir, então, nesse dia, você quer morrer”.

Os jovens estão com medo da vida. Eles olham para o futuro e não veem perspectiva nenhuma. Temem catástrofes naturais, epidemias, uma possível terceira guerra mundial, novas recessões econômicas... O mundo que avistam no horizonte não é nada atraente; por isso a prática do suicídio lhes parece a alternativa mais viável.

Em vista disso, importa aos pais, educadores, líderes religiosos e empregadores responsáveis pela nova geração lançar um olhar mais atento sobre os sinais de alerta emitidos pelos jovens; eles estão clamando por socorro. Precisamos jogar o bote salva-vidas para a juventude, discutindo o tema da saúde mental de todas as formas possíveis e em todas as circunstâncias. Dessa maneira, lares, escolas, universidades, empresas e ambientes religiosos precisam urgentemente promover campanhas de prevenção às doenças mentais e ao suicídio. Abordar o assunto de forma franca e aberta é o único modo de salvarmos os mais jovens.

Rodolfo Capler é teólogo, escritor e pesquisador do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP.

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