“A ânsia de salvar a humanidade é quase sempre uma desculpa para a ânsia de governá-la” (Henry Louis Mencken)
G. K. Chesterton já havia alertado que chegaria o dia em que teríamos de provar que a grama é verde. Pois bem, aqui estamos e não faltam exemplos para provar a sua tese. No campo da política, a situação é a mais grave; estamos testemunhando a criação de um teatro psicótico, no qual lutam para desativar ideologicamente as faculdades humanas da percepção da realidade e do raciocínio lógico. A busca pela verdade racional – muitas vezes inconveniente e desagradável – foi substituída pelo acolhimento da narrativa emocional mais confortável. "Afinal, você vai acreditar em mim ou nos seus próprios olhos?”, já provocava o comediante Groucho Marx.
O problema não é a encenação em si – afinal, estamos acostumados a um jogo político pouco comprometido com a verdade –; a falsa narrativa torna-se perigosa quando passa a ser levada a sério (por ignorância ou má-fé) e gera efeitos concretos no mundo real, onde a grama é sempre verde. Um exemplo desse fenômeno é o movimento Sleeping Giants, que vem corroendo a indústria da comunicação, marketing e mídia sob uma falsa narrativa de “combate às fake news e discurso de ódio”.
Todo o transtorno causado pelas campanhas desse movimento radical anônimo passaria completamente despercebido, caso ele fosse visto simplesmente como é: mais uma milícia digital de extrema-esquerda como tantas outras (blogosfera petista, mensalinho do Twitter, o MAV – Militância em Ambientes Virtuais – do PT, Dilma Bolada etc.) que busca manipular a opinião pública por interesses político-ideológicos – nesse caso, eliminar do debate público pessoas e veículos influentes que expressem ideias e opiniões contrárias aos ideais “progressistas”.
O modelo é uma versão mais radical e autoritária que inova ao explorar os gatilhos emocionais primitivos da atual cultura do cancelamento – manifestada por meio dos linchamentos virtuais – e incentivar a prática da demagogia por meio da falsa sinalização de virtudes, que vem crescendo muito com as redes sociais. Em vez de ameaçar depredar, invadir ou incendiar o patrimônio físico de empresas, como fazia a velha esquerda trabalhista, essa milícia digital anônima, formada nos valores da nova esquerda identitária, atualizou o alvo e passou a atacar o ativo mais importante de uma empresa no mundo contemporâneo: a sua marca; e começou a coagi-las para acatar as suas exigências ameaçando arranhar a imagem da marca e destruir a sua reputação. É importante ressaltar que, ao contrário do boicote, que é um instrumento legítimo e importante do livre mercado, a “boicotagem violenta” utilizada pelo Sleeping Giants não é voluntária e não aceita negativas. Ao não se submeter às exigências da milícia digital, a marca passa a ser perseguida e constrangida.
Seguindo o modus operandi do marketing político da extrema-esquerda – mais conhecido como “estelionato eleitoral” –, que substitui o candidato por um personagem fictício mais palatável, como nos cases do “Lulinha Paz e Amor” e do recente “Boulursinho Carinhoso”, a milícia digital anônima apresenta-se de forma atraente para os militantes e os distraídos. Maquiado de verde e amarelo e fingindo lutar contra o discurso de ódio e as fake news, o Sleeping Giants não consegue convencer ninguém fora da bolha “progressista”, já que a maioria silenciosa continua vendo a grama verde e o Sleeping Giants vermelho.
A própria história do movimento deixa explícitos os seus objetivos ocultos. Um escândalo de machismo envolvendo os fundadores e o oportunismo comercial por trás da “causa”, digno de prêmio no prestigiado Festival de Publicidade de Cannes, não deixam dúvidas sobre a intenção pouco nobre de uma plataforma criada para gerar ganhos pessoais e catapultar carreiras. O suposto nobre fim de combater fake news e discurso de ódio ficou esquecido em meio a tanta vaidade e ambição. Aproveitando que as empresas estavam preocupadas com os ataques que vinham sofrendo nas redes sociais, a fundadora do Sleeping Giants lançou uma consultoria de segurança de marca para ajudá-las a se protegerem dos linchamentos virtuais, como os do próprio Sleeping Giants. Na prática, não inventou nada; apenas copiou o método de extorsão da máfia: coagir empresas para fazer o que o grupo deseja e, ao mesmo tempo, “vender” um “serviço” de proteção contra a sua própria violência. Já a versão brasileira nem tenta mais esconder a sua hipocrisia: se entrar pela porta dos fundos alinhado à extrema-esquerda, o produtor de conteúdo ganha a permissão para publicar filme machista e misógino sem precisar se preocupar em ser constrangido, sofrer pressão para demissão dos responsáveis ou ter os seus patrocinadores constrangidos. Para coroar a encenação, ainda ganha um parabéns público. É o machismo do bem!
Apesar de possuírem interesses diferentes, a extrema-esquerda, a mídia tradicional, o estamento burocrático e os globalistas construíram uma aliança de conveniência para combater um inimigo em comum e reconquistar o poder e a influência perdidos. O Sleeping Giants é apenas um dos braços da esquerda nesse ecossistema de radicalização da luta político-ideológica em reação à última eleição presidencial, não à pessoa do presidente em si, mas aos símbolos que ele representa.
Ao perder poder e influência, o estamento burocrático reagiu com todas as armas políticas e jurídicas possíveis (CPMI das Fake News, Inquérito do Fim do Mundo, PL da Censura, PL das Fake News, narrativa do “Gabinete do Ódio”, tentativas de impeachment etc). Já a mídia tradicional, ao perder o monopólio da verdade, audiência e receita publicitária para as mídias sociais e veículos independentes, promoveu falsas narrativas (disparos ilegais de WhatsApp, tias do zap, ascensão do fascismo, atos antidemocráticos, movimentos pró-democracia etc.) e patrocinou uma discussão superficial e enviesada sobre fake news, que culminou com a criação das famigeradas agências de fact checking – uma surreal tentativa de realização do Ministério da Verdade de George Orwell. Os globalistas, que trabalham para a criação de um governo mundial tecnocrático e cientificista, perderam espaço com a vitória de uma agenda de defesa da soberania nacional e de valores religiosos. Já a esquerda, ao perder poder, conexão com o povo, o domínio das ruas e influência intelectual, vem apelando a métodos cada vez mais autoritários e violentos, buscando manipular e reduzir o ser humano a um mero instrumento na guerra cultural por meio da politização total da sua vida. O Sleeping Giants tem uma clara função dentro dessa aliança: implantar o pensamento único por meio da eliminação do debate público, através da asfixia financeira, de pessoas e veículos influentes que expressem ideias e opiniões contrárias à esquerda radical.
“Informação é crucial. Nunca vá para a batalha sem saber o que pode estar contra você”, escreveu Sun Tzu. Após entender o contexto cultural e político que motiva essa milícia digital, chegamos aonde esse teatro psicótico sai da ficção das falsas narrativas e ganha vida, causando transtornos e prejuízos reais. Parte da indústria da comunicação, marketing e mídia vem cedendo à extorsão do Sleeping Giants, supondo (equivocadamente) que o movimento detém, de fato, um poder real sobre a imagem e a reputação dessas marcas coagidas. Essa falsa percepção é explicada pela Teoria da Espiral do Silêncio da socióloga e cientista alemã Elisabeth Noelle-Neumann, pela qual a opinião de um grupo parece mais forte do que é na realidade, enquanto os que têm uma opinião distinta parecem mais fracos do que efetivamente são. A minoria violenta e barulhenta repercute mais do que a maioria silenciosa, pois esta costuma estar ocupada demais cuidando da vida real, em vez de ficar sinalizando virtudes e salvando a humanidade por meio de postagens nas redes sociais.
A imagem e a reputação de uma marca advêm da percepção dos consumidores e do mercado, e não da opinião de grupos político-ideológicos extremistas. Essa milícia digital, que usa métodos autoritários e antidemocráticos, não tem autoridade sobre os consumidores nem compromisso com a empresa ou a sociedade; a sua missão é apenas instrumentalizar as marcas para os seus próprios objetivos político-ideológicos, tendo compromisso apenas com a causa e seus militantes. Como deixa claro Saul Alinsky, um dos gurus dessa nova esquerda radical, “o problema nunca é o problema, o problema é sempre a revolução”.
Ao serem atendidos e terem recebido esse falso poder das marcas que cederam à extorsão, qual será o próximo passo do Sleeping Giants? Com um poder desse tamanho, o caminho está aberto para que a milícia digital possa exigir praticamente qualquer coisa das empresas. Começou com uma interferência no plano de mídia da marca e, certamente, não tem limite para terminar. Por que não exigir, também, a demissão de todos os profissionais não alinhados à extrema-esquerda? Que tal o fechamento de fábricas em cidades não governadas pelos partidos aliados? E a troca de fornecedores que não servem à causa? Contratação dos seus militantes? Patrocínio exclusivo de projetos alinhados? Publicidade apenas em veículos pré-aprovados? Nessa situação distópica, a gestão da empresa é virtualmente submetida ao controle da milícia digital – assim como em regimes totalitários –, que poderá utilizar desse poder para empurrar qualquer um dos seus objetivos político-ideológicos. Isso sem contar com a possibilidade de empresas e pessoas imorais financiarem esse tipo de milícia digital com o objetivo de destruir concorrentes ou adversários para roubar mercado ou para qualquer outro interesse particular. Podemos estar testemunhando a criação de um novo cargo orwelliano no organograma das empresas coagidas: o CRO (Chief Revolutionary Officer), ou Diretor Revolucionário, um cargo coletivo anônimo, com poder absoluto e sem nenhum compromisso com a empresa e seus colaboradores, acionistas e consumidores, ou com a sociedade, apenas com o Grande Irmão Dorminhoco.
Toda a sociedade paga um preço muito alto por causa da tentativa de politização total da vida das pessoas, movimento iniciado com a estratégia de ocupação de espaços e guerra cultural idealizado pelo filósofo marxista Antonio Gramsci, e que teve no Brasil o seu maior impacto. Entender esse jogo político é fundamental para que as empresas não acabem se tornando instrumentos de manobra nas mãos de grupos político-ideológicos radicais. O benchmarking do jornalismo é uma boa maneira para extrair o que não fazer. O processo de instrumentalização do jornalismo o degradou a ponto de sua credibilidade derreter, perdendo apenas para a dos políticos. O jornalismo militante afastou-se da sua função de informar e passou a tentar doutrinar e guiar as pessoas, o que gerou a ruína da sua credibilidade. Infelizmente, a publicidade parece estar caminhando para o mesmo sentido, buscando ocupar um espaço sacerdotal dentro dessas novas “religiões políticas”. Ao também deixar se corromper até se tornar uma simples ferramenta político-ideológica nas mãos de grupos radicais, a publicidade brasileira tende a também perder relevância e a credibilidade de que desfruta internacionalmente, conquistada por meio de uma atuação marcada pelo profissionalismo, criatividade, respeito aos consumidores e compromisso com a sociedade.
“De todas as tiranias, uma tirania sinceramente exercida para o bem de suas vítimas pode ser a mais opressiva”, escreveu C. S. Lewis. As marcas estão sendo forçadas a assumir o perigoso papel de censor do “Ministério da Verdade” nesse teatro distópico. Adotam uma visão preconceituosa e degradante do seu consumidor, supondo que precisam ser guiados e educados por elas para não se autoprejudicarem. Claro que não cabe a qualquer empresa tratar o seu consumidor como um incapaz de tomar as melhores decisões para si; não é responsabilidade da marca escolher quais veículos de comunicação ou conteúdos o seu consumidor deve acessar ou não. Numa sociedade livre, as pessoas têm a liberdade de escolher por onde se informar, desde que o veículo ou conteúdo não esteja infringindo nenhuma lei. Existe uma falsa (e infantil) premissa no argumento do Sleeping Giants, de que a simples publicidade estaria endossando determinado veículo ou conteúdo, sendo que todos sabemos que a publicidade apenas os usa como meio para levar a sua mensagem até o seu público-alvo – justamente daí vem o termo “mídia” (meio). Ao censurar determinado veículo ou conteúdo – livremente escolhido pelo seu consumidor –, a marca o menospreza e o desrespeita, colocando os interesses político-ideológicos de uma milícia digital radical acima dos interesses e escolhas do seu próprio cliente. Ao ceder à extorsão, consequentemente, a marca também envia uma mensagem negativa de rejeição ao seu cliente, como se desejasse que o consumidor desse veículo de comunicação ou conteúdo boicotados não fosse seu cliente, inaugurando uma inédita segmentação de mercado político-ideológica para definir o seu público-alvo.
“Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”, afirma a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Claro que essa milícia digital anônima é organizada e barulhenta, mas ficar passivo e deixar toda a indústria sequestrada nas mãos desse grupo extremista – que ataca a liberdade e despreza a democracia – é deixá-la implodir por covardia e irresponsabilidade. Essa é uma decisão importante e corajosa, pois a indústria da comunicação, marketing e mídia só pode exercer a sua função social de forma eficiente e responsável com liberdade e respeito absoluto pelos seus consumidores e pela legislação vigente. Infelizmente, ao ceder às extorsões, as empresas estão ajudando a alimentar um monstro que não tem responsabilidade nem compromisso com a indústria ou com a sociedade, muito menos com a liberdade e a democracia, e que flerta abertamente com o autoritarismo e a censura, enganando as pessoas e manipulando o mercado para impor uma ditadura do pensamento único.
“É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”, diz a Constituição Federal. Tanto a indústria da comunicação, marketing e mídia, quanto a própria democracia, precisam respirar liberdade e tolerância para existir e sobreviver. Em nenhum lugar livre e democrático o pensamento único é desejado, só existe coercitivamente em regimes autoritários ou totalitários. O problema das fake news e do discurso de ódio é real e deve ser debatido e combatido de forma madura e responsável, respeitando o Estado Democrático de Direito e as liberdades individuais.
Não podemos aceitar que esses problemas sérios sejam sequestrados por grupos político-ideológicos radicais que possuem interesses próprios contrários ao de uma sociedade livre e democrática. Todo o mercado deve se unir para exigir, antes de ceder às exigências do Sleeping Giants, pelo menos a sua identificação. Esse passo é fundamental para as empresas saberem com quem estão negociando e quais são os seus reais interesses e objetivos. Enquanto uma única empresa ceder à extorsão dessa milícia digital anônima, essa falsa ameaça de poder sobre a reputação e a imagem das marcas continuará funcionando. Para defender as empresas, as marcas, os profissionais e toda a cadeia envolvida nessa indústria, além da própria sociedade – que ainda desfruta da livre concorrência e da liberdade de expressão que estão sob ataque –, todos os players devem responder em conjunto contra essa extorsão criminosa e covarde.
É o momento de decidir se a indústria brasileira da comunicação, marketing e mídia continuará livre e respeitada, ou se permitirá ser corrompida e instrumentalizada como arma político-ideológica nesse jogo mafioso do Sleeping Giants. No mundo político, tudo muda o tempo todo; o poder troca de lado e os interesses mudam de acordo com o vento que sopra. Quando essa ventania passar, o que restará da sua marca? Credibilidade ou oportunismo? Já está provado que a grama é verde, basta agora o mercado acordar.
Taiguara Lima é graduado em Comunicação Social com ênfase em Marketing, especialista em Marketing Esportivo e sócio-diretor da Live Sports Marketing.