É recorrente a prática existente no Brasil, em especial em alguns segmentos do setor público e nichos dos formadores de opinião, de fazer diagnósticos incorretos sobre problemas nacionais. O mais grave é que a percepção distorcida de cenários e tendências acaba comprometendo a eficácia das soluções, prejudicando muito a economia, a sociedade e o país. Exemplo atualíssimo desse fenômeno cultural verifica-se na perigosa generalização quanto à pretensa pressão dos alimentos sobre o IPCA acumulado do primeiro bimestre (1,54%).
Está-se analisando, a rigor, um fenômeno de causa meramente sazonal (as chuvas recordes) como se fosse algo de caráter estrutural do setor de alimentos. Neste momento em que o Brasil emerge da grave crise mundial, não é hora de perder tempo com falsas premissas. Assim, é preciso esclarecer o que está acontecendo: o aumento de preços dos alimentos refere-se a produtos in natura. É óbvio que as chuvas prejudicam sua produção efetuada de modo mais acentuado, nos cinturões verdes, no entorno dos grandes centros de consumo. Verduras, legumes e hortaliças têm ciclo de produção muito rápido e são suscetíveis às oscilações climáticas, que se refletem nos preços.
Por outro lado, os produtos da indústria de alimentação não refletem essas sazonalidades, pois seu ciclo é de médio e longo prazo. Por isso seus preços continuam estáveis e não exercem qualquer pressão nos preços gerais da economia e, portanto, no tocante à inflação. É preocupante verificar que o setor, que tem sido decisivo para a economia brasileira, comece a ser injustamente apontado como um dos causadores de pretenso aumento inflacionário. Para se ter ideia do significado de sua contribuição para a produção industrial e a balança comercial do país, é importante recorrer a alguns dados: em 2008, no período pré-crise, as exportações brasileiras totais foram de US$ 197,94 bilhões e as importações, de US$ 172,98 bilhões, gerando saldo comercial de US$ 24,96 bilhões. No mesmo ano, as vendas externas de alimentos processados (industrializados + semielaborados) totalizaram US$ 33,30 bilhões e as importações, US$ 3,36 bilhões, resultando em superávit de US$ 29,94 bilhões. Ou seja, sem o superávit do setor, teríamos tido um saldo de toda a balança comercial menor.
Em 2009, em pleno ano da crise, as exportações brasileiras foram de US$ 152,99 e as importações de US$ 127,64 bilhões, com saldo positivo de US$ 25,35 bilhões; as vendas externas de alimentos industrializados totalizaram US$ 30,86 bilhões e as importações, US$ 3,16 bilhões, gerando superávit de US$ 27,70 bilhões. Ou seja, em 2009, a indústria brasileira da alimentação ainda financiou em US$ 2,35 bilhões o saldo total da balança comercial brasileira.
Em 2010, o setor deverá experimentar crescimento da produção em torno de 4,5%. Suas vendas deverão ter incremento real de 5%. A estimativa para o total das exportações é de US$ 32 bilhões, mesmo assim aquém do montante das exportações no período pré-crise global em 2008. Em 2009, enquanto grande parte dos segmentos demitiu e reduziu a massa salarial, a indústria da alimentação (alimentos + bebidas) ampliou em 15 mil empregos diretos o seu contingente de trabalhadores. Neste ano, deverá criar cerca de 45 mil novos postos de trabalho.
Quanto ao preço dos alimentos ao consumidor, os dados da FIPE/USP mostram que, no acumulado de 2009, os alimentos industrializados correram abaixo da inflação, ou seja, 2,85%, contra o índice geral de 3,65%. Já os preços dos produtos in natura que não sofrem qualquer processamento industrial cresceram 13,83% e o das refeições fora do lar, que também compõem o item Alimentação do Índice FIPE, 7,98%.
Fica clara, portanto, a impertinência de se imputar à indústria alimentícia responsabilidade pela pressão inflacionária. É preciso estar alerta, evitando-se que a cultura dos diagnósticos equivocados acabe suscitando danos a uma atividade que muito tem contribuído para a economia do país. Aliás, cabe outra ressalva: não culpemos, tampouco, as alfaces e os tomates, comprados na feira nossa de cada dia. Quando as águas de março fecharem o verão, a oferta voltará ao normal e seus preços irão estabilizar-se. Assim, é desnecessário aumentar juros ou adotar outras medidas monetárias emergenciais. Afinal, nossa economia vai bem, e os alimentos industrializados, tenham certeza, não ameaçam a meta inflacionária!
Edmundo Klotz é presidente da Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (ABIA)
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