Desde a década de 1980, a saída do Estado brasileiro como agente indutor, regulador, financiador e provedor de infra-estrutura para o setor privado deixou um vazio não ocupado pelos "mercados" em face, de um lado, das sobras resultantes dos enormes investimentos em maturação, definidos e concretizados sob o manto dos petrodólares capturados pelo II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) do governo Geisel e, de outro, da possibilidade de multiplicação dos ganhos não operacionais, a partir de aplicações dos excedentes fora da órbita produtiva, oportunizadas pelo fértil mercado de rolagem da dívida líquida do setor público brasileiro. Frise-se que a fração privada produtiva atuava sempre à margem, pontuando suas aplicações em reposição e/ou modernização de algumas linhas.
Cumpre recordar que o II PND era formado, primordialmente, por empreendimentos destinados a eliminar a atrofia dos segmentos de insumos básicos (siderurgia, alumínio, petroquímica, papel e celulose, etc.) e de bens de capital e a superar a fronteira entre o subdesenvolvimento e o desenvolvimento. Na prática, havia uma aliança estratégica, designadora de enormes investimentos públicos orientadores das decisões privadas, integrante de um modelo associado entre capital estatal, privado nacional e multinacional.
Mas a suposta ausência de sustentação tangível desse panorama e as exigências de crescimento econômico, como requisito precípuo ao encaminhamento do pagamento da enorme dívida social acumulada pelo país, inclusive nos estágios de maior intensidade de expansão, abriu flancos para, passada a sofrida fase de transição dos anos 1980, a emergência da "receita libertadora" condensada na retórica neoliberal, expressa em posturas radicais de abertura, desregulamentação e privatização dos mercados de insumos básicos e de infra-estrutura brasileiros.
Nessas circunstâncias, a orientação política, centrada no gerenciamento curto prazista do Plano Real, abdicou da oportunidade de discussão, montagem e aplicação de um modelo contemporâneo de restauração, ampliação e modernização da retaguarda infra-estrutural. No final das contas, houve, sob o manto das reformas institucionais lideradas pela flexibilização dos monopólios estatais de telecomunicações, energia e de exploração de reservas de petróleo e gás natural , a açodada concessão do "filé-mignon" das teles e de parte do segmento energético (e das indústrias básicas) para conglomerados multinacionais, em leilões de privatizações de legitimidade bastante discutível.
Como resultado, houve a desorganização da demanda interna dos ramos fabricantes de bens de produção, com vazamentos de renda para o exterior na forma de importação de componentes, equipamentos e tecnologia e de multiplicação das remessas de lucros.
No mais, restaram as incertezas regulatórias, multiplicadas pelas apreensões generalizadas quanto à eficácia das Parcerias Público-Privadas concebidas no governo Fernando Henrique Cardoso e resgatadas na gestão Lula, como meio de financiamento alternativo das inversões em infra-estrutura e serviços públicos , motivadas pelo absoluto descolamento entre aquelas e o Programa Plurianual de Investimentos (PPA), lançado em 2003 pelo governo federal com o nome propagandístico de "Brasil de Todos Participação e Inclusão" que, paradoxalmente, deveria constituir sua referência principal, dada a projeção de absorção de 16,0% dos recursos previstos no PPA .
Entretanto, o que interessa compreender é que a sociedade brasileira adorou a brincadeira de inflação baixa, inaugurada em julho de 1994 e mantida a duras penas até os dias de hoje. Tanto isso é verdadeiro que proliferam sinais inequívocos de resgate de uma vontade de participação na construção de um projeto de crescimento menos dependente de poupança externa, mais voltado para o mercado interno e com maior grau de inclusão social.
Para tanto, os atores (empresários, governo e trabalhadores) estão absolutamente convencidos da necessidade de recuperação dos instrumentos e instituições capazes de assegurar a materialização desse desejo. Mais que isso, na interpretação dos meios especializados, os riscos de apagão logístico comprometem a eficiência atual e potencial do aparelho produtivo do país, combalindo sua competitividade nos mercados interno e externo.
A perspectiva de apagão torna-se mais clara com a percepção da excessiva concentração dos transportes no modal rodoviário agravada pela implementação de procedimentos de concessão à iniciativa privada com reduzido conteúdo técnico e/ou transparência , totalmente deteriorado nas regiões de fronteira agrícola, da insuficiência de projetos de envergadura na área ferroviária, dos gargalos portuários e da iminência de descontinuidade de suprimento de energia (reconhecida para 2009 inclusive por previsões realizadas pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico ONS), especialmente a insuficiência de gás natural.
O planejamento da vitória no jogo infra-estrutural representa a senha do crescimento sustentado do Brasil para os próximos anos. Do contrário, o país poderá estar selando um acordo para exercer, na melhor das hipóteses, o papel de mero coadjuvante no processo de desenvolvimento na era da globalização comercial e financeira.
Gilmar Mendes Lourenço é economista e coordenador do Curso de Ciências Econômicas da UniFAE Centro Universitário FAE Business School.



