Confesso que sempre desconfiei dos números de participantes das paradas gay. Primeiro, pelo volume de gente que supostamente teria participado a cada ano; e, segundo, porque essa multidão não para de crescer a taxas espantosas. Em 2005 teria sido 1,7 milhão; em 2007, o número pulou para 3,5 milhões; e, em 2012, os cálculos dos organizadores eram de uma afluência de mais de 4 milhões de participantes, segundo a imprensa. Aí vem o Datafolha e joga um balde de água fria nesses números febris, declarando que 270 mil pessoas seria o número mais próximo da realidade.
O problema não está no número em si 270 mil pessoas se manifestando a favor ou contra alguma coisa são muita gente , mas na credulidade da imprensa em geral em relação aos exageros estatísticos dos organizadores e simpatizantes de qualquer manifestação que se faz entre nós. Você, paciente leitor, parou para pensar o que são 4 milhões de pessoas? Então faça a conta, multiplicando a população de Curitiba por dois e acrescentando 10% para arredondar. Duas Curitibas inteiras e um pouco mais teriam de se concentrar em um conjunto de ruas e avenidas no Centro de São Paulo...
Essa história me lembra outra, acontecida com um parente rico que estava fazendo um cruzeiro marítimo no Mediterrâneo quando os navios de cruzeiro ainda não tinham se transformado em ônibus de turismo marítimo, transportando 3 mil, 4 mil pessoas e periodicamente as intoxicando com salmonela. Meu parente estava relatando para outros milionários a extensão de sua riqueza no Brasil e, quando um ricaço italiano lhe perguntou que tamanho tinha sua fazenda de café nel Brasile, respondeu com um número tão extraordinário que o italiano não se conteve e exclamou, extasiado: "Madonna! É maior que o território da Itália!"
Temos uma dificuldade visceral para lidar com números e com a objetividade. A estatística nos horroriza, a achologia se expande, e as "realidades" vão sendo construídas a partir das percepções de alguns reproduzidas preguiçosamente por muitos. De repente, um número errado, seguidamente repetido, acaba sendo chancelado exatamente porque foi veiculado por tanta gente.
Esse assunto é muito mais sério do que parece à primeira vista, pois informações defeituosas levam a decisões equivocadas: passamos décadas falando na multidão de famintos no Brasil até que o IBGE provou que o maior problema nutricional entre nós é a obesidade, não a magreza excessiva; durante anos, líamos que os produtos chineses inundavam o mundo a preços vis pois eram fabricados por detentos das prisões, como se fosse possível que um país chegasse a ser a segunda maior economia do mundo costurando bolas de futebol nas cadeias. E vivemos repetindo tolices a respeito do efeito dos flatos e arrotos das vacas e bois para o aquecimento global, sem parar para rever as contas feitas pelos supostos "especialistas".
Como diz Affonso Romano de SantAnna, somos um país barroco, cheio de curvas, sinuosidades e jogos de claro-escuro, e não uma construção retilínea, simétrica e compreensível à primeira vista. Basta ver o que acontece no cotidiano: até o número de gotas de adoçante no cafezinho ("umas três ou quatro") não obedece a um mínimo de exatidão e os horários são sempre imprecisos: "duas, duas e quinze". Em alguns lugares, a unidade de tempo é "antes de tal data, depois de tal data".
Os revolucionários franceses tinham um calendário republicano com meses com nomes românticos como Germinal, Floreal e Pradial. Nós temos Le Carnaval... e agora Le Mundial.
Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.
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