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A fé, conveniência ou sentido para a vida?

Estando por estes dias em Israel, de onde escrevo estas linhas, após visitas e encontros de formação inspirados em textos bíblicos, pareceu-me importante retomar este tema, muito embora, de modo diferente, o mesmo já tenha aparecido nesta coluna. É que, em tempos de “modernidade líquida” (como diria Zygmunt Bauman), quando os valores, inclusive os éticos, parecem se dissolver, o retorno à reflexão se afigura necessário para que não nos distanciemos daqueles considerados fundantes e identificadores da própria pessoa humana.

Impressiona como até Deus e seu nome santo se tornaram produto intercambiável. Seu significado parece receber sempre novas matizações segundo gostos, preferências e até oportunismos. Ao menos no caso do Deus cristão, mais do que “adaptá-Lo” segundo modismos religiosos, é preciso a humildade para acolhê-Lo como se revelou. Sem essa premissa a experiência de fé seria, sim, alienadora. E a religião se tornaria apenas uma fuga do que não se pode explicar. Ou também conveniência, para que Deus nos dê o que nos agrada, mas não podemos ter.

Impressiona como até Deus e seu nome santo se tornaram produto intercambiável

É justamente esta a reflexão que salta aos olhos no evangelho deste domingo (Jo 6, 60-69). Trata o texto de palavras de Jesus dirigidas aos que se beneficiaram da multiplicação dos pães. O debate continuou por dias após o acontecimento. E Jesus se apresentara como “pão da vida”, como “pão vivo descido do céu”. Falava também de ressurreição. E eis a reação: “Esta palavra é dura! Quem pode escutá-la?” (Jo 6, 60). O evangelista até acrescenta que os “discípulos murmuravam entre si” face ao significado exigente de Jesus.

Algo de importante a observar é que eram os “discípulos” a murmurar. Não eram os judeus, não eram os adversários. Eram, sim, os que já tinham uma intensa história de convivência com o Senhor. Por que o murmúrio? Porque percebiam que o seguimento comportava disposições a mudanças de vida e renúncia no caminho da conversão. Queriam aqueles “discípulos” tão somente um tipo de seguimento e de identidade religiosa que atendesse a preferências acomodatícias. É algo como a amizade por interesse.

Ainda tomando em apreço a reflexão do evangelista, vale sua observação: “A partir daí, muitos dos seus discípulos voltaram atrás e não andavam com ele” (Jo 6, 66). Em outras palavras, a proximidade ao Senhor já não lhes era compensadora, não respondia às conveniências que almejavam. Na realidade, queriam que Jesus lhes apresentasse um Deus à sua imagem e semelhança. Tratava-se mais de um consumo religioso do que de relação de confiança e de amizade com o Senhor. E até Jesus se tornou um “produto descartável”.

Por toda a Sagrada Escritura enumeram-se os exemplos de religiosidade de conveniência, segundo a qual Deus serve na medida em que “me atende”. Mais do que relação com Ele, o pendor é explorá-Lo. E vale a pena bater em diferentes portas até encontrar um Deus assim. Entretanto, outra é a face daquele Deus revelado por Jesus Cristo. Pedro até disse que ele, Jesus, tinha “palavras de vida eterna” (Jo 6, 69). Percebera ele que Jesus não era uma entidade religiosa a ser invocada em situações de apuros. Segui-Lo comporta reconhecer nEle o caminho que transfigura o sentido da existência. Mais do que lhe apresentar pedidos, talvez tenha chegado o momento de nos perguntar sobre o que temos a oferecer a Ele.

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