A felicidade, enquanto valor essencial da vida humana e preocupação insistente e constante da filosofia, sempre esteve no centro das discussões dos mais diversos pensadores, dos mais diferentes ramos do conhecimento, desde a Antiguidade até os dias de hoje. Com efeito, toda questão filosófica – como, por exemplo, a vida e a morte, o amor e o ódio, a ciência e a religião, a angústia, a dor, o sofrimento e o prazer, a riqueza e a pobreza, o conhecimento e a ignorância, o bem e o mal –, em certa medida, encerra o problema envolvendo a felicidade. Cada pensador, a seu modo e ao longo da trajetória humana, nos expõe significados e conceitos sobre a felicidade de acordo com abordagens, técnicas, métodos e critérios diferentes, a fim de tentar explicar qual o verdadeiro sentido da vida e o papel que a felicidade desempenha na construção desse sentido.
Ao contrário da noção humana, secular e temporal de felicidade – cujo eixo essencial a evidencia na qualidade de alguns momentos passageiros, fugazes e fluidos –, a ideia de Santo Agostinho apega-se à felicidade divina, ou seja, a felicidade obtida de e na dimensão espiritual, sendo, dessa forma, uma felicidade eterna, na “Cidade de Deus”. Neste sentido, então, Agostinho de Hipona propõe a felicidade a partir da ideia da “posse de Deus”, da ideia da sabedoria divina e da ideia de justa medida. Em outras palavras, a posse de Deus é o fim a ser buscado pelo homem para a obtenção da felicidade, cujo método utilizado seria a sabedoria divina, e cujo princípio básico se consubstanciaria na justa medida das coisas, na frugalidade, ou seja, na moderação do gozo das coisas.
Embora o discurso de Agostinho fizesse críticas à razão, ele se utilizou dela com extrema habilidade
A posse de Deus, enfim, é fundamental para quem quer ser feliz, na medida em que se é feliz quando se obtém a felicidade mediante a justa medida das coisas, mediante a sabedoria divina, a qual, no caso de Agostinho, é conquistada pela revelação divina de seu Espírito Santo na alma do homem, chegando-se, ao fim e ao cabo, à posse do divino, causa e efeito de toda a felicidade, que não é contingente, como a humana, mas sim eterna.
O caminho a ser percorrido e a luta contra os obstáculos a superar em busca da felicidade – que não é tão simples assim – são revelados na história de vida do próprio Agostinho, cuja superação, dando-nos a medida exata, ocorreu em cinco etapas. Antes, porém, uma nota importante se nos impõe: o teólogo-filósofo, ponte entre a Antiguidade e a Idade Média, admoesta-nos que, acima de tudo, deve-se ter o dom da humildade na condição de matéria prima necessária à consecução da felicidade e de ferramenta imprescindível à superação dos obstáculos que se nos apresentam nesta caminhada épica ao encontro da felicidade eterna.
A primeira etapa se encontra na leitura das Sagradas Escrituras, que, em Agostinho, causou e lhe suscitou inúmeras dúvidas, condição sem a qual não se desencadearia o processo para aquisição da sabedoria. A segunda foi a adesão ao maniqueísmo, filosofia propalada pelo filósofo persa Maniqueu e que, mergulhado no entendimento dual do mundo, o dividia entre o bem e o mal (só havia preto ou branco, não havia matizes cinzentos entre eles). A terceira etapa foi a adesão à astrologia, que, contudo, fora deixada de lado quando Agostinho percebeu que os próprios astrólogos não conseguirem explicar, de forma matemática e racional, seus fundamentos esotéricos. A quarta etapa, superada a astrologia, foi a adesão ao ceticismo, escola filosófica grega que durou até o início da Idade Média e que consistia na adoção da dúvida como método filosófico e científico. A quinta etapa foi, na verdade, a superação do ceticismo e a adesão ao neoplatonismo místico como fórmula necessária ao entendimento da felicidade plena. Aqui o papel do filósofo Plotino foi profundamente essencial.
A filosofia agostiniana é toda voltada para a expansão do cristianismo e, embora seu discurso fizesse críticas à razão, dela se utilizou com extrema habilidade para conquistar fiéis naquele momento histórico. E a proposta de uma felicidade divina, fundada na teologia e argumentada na filosofia, influenciou sobremaneira a Idade Média na Europa. Portanto, a questão da felicidade em Agostinho muda radicalmente de abordagem: de uma visão mundana e hedonista para uma perspectiva que supre as carências teológicas dos que desejavam, à época, uma vida mística e ascética.
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