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Neste mês de janeiro, o Brasil foi impactado com a notícia do encerramento da produção da Ford no Brasil. Estima-se que essa saída provoque a perda direta de cerca de 5 mil empregos na América do Sul e milhares de empregos indiretos que faziam parte da cadeia de produção automotiva. Estima-se que serão perdidos 12 mil empregos na cidade de Camaçari (BA) e no entorno da região metropolitana de Salvador, de acordo com projeções do Sindicato dos Metalúrgicos e da prefeitura de Camaçari.
Sem dúvida, devemos, como seres humanos, nos compadecer de todas as famílias que serão afetadas com a perda de renda ocasionada por essa decisão da Ford. Todavia, em toda crise há lições que precisam ser aprendidas para que não se cometam os mesmos erros. Nesse caso em especial, os aprendizados giram em torno da condução da política econômica e fiscal pelos governos federal e estadual, principalmente no que se refere à concessão ampla de subsídios, com parcos planos e metas para que os setores beneficiados, dentro de um determinado tempo, consigam andar com as próprias pernas.
De acordo com fontes oficiais, os subsídios federais atingiram o total de R$ 348,3 bilhões em 2019, o que representou 4,8% do PIB no ano. Deste montante, 11,5% (R$ 40,05 bilhões) são subsídios financeiros e creditícios, que, em outras palavras, são dinheiro direto entregue pela União na mão das empresas. Por sua vez, 88,5% (R$ 308,25 bilhões) representam subsídios tributários, que são também conhecidos como “renúncia fiscal” ou “gasto tributário”, ou seja, é um valor em tributos que a União abre mão de arrecadar para incentivar um determinado setor da economia.
Não é de agora que se critica as políticas de subsídios dados a alguns segmentos da economia pelo governo. O diretor-presidente do Insper, Marcos Lisboa, há anos comenta sobre os erros cometidos pelo setor público que tornaram o Brasil “refém dos subsídios” e que “o governo não consegue apresentar propostas concretas para um tema tão importante”.
Em tese, os subsídios são concedidos com a melhor das intenções: atrair investimentos em determinados segmentos, reduzir o desemprego ou apoiar a ascensão de uma indústria no âmbito nacional. Assim, apesar da perda de arrecadação (no caso dos subsídios tributários) ou do aumento do gasto direto do governo (no caso dos subsídios financeiros e creditícios), acredita-se que no futuro aquele segmento vai conseguir ter ganhos de escala e competitividade, amadurecer e não depender mais da ajuda financeira do governo.
Para que este objetivo se concretize, entretanto, são necessárias algumas ferramentas de controle na concessão de tais benefícios. Um subsídio não pode ser dado indiscriminadamente: é necessário que o setor, como contrapartida, gere novas vagas de empregos, tenha uma perspectiva de crescimento, haja interesse público e, algumas vezes, o incentivo existe para suprir alguma deficiência de infraestrutura ocasionada pela omissão do poder público, como é o caso dos subsídios ao agronegócio.
Todavia, algumas precauções precisariam ser tomadas nesse sentido. Há a necessidade de se estabelecer metas para que chegue um momento no qual o subsídio não seja mais necessário, como investimentos públicos em infraestrutura, que seria um objetivo de cumprimento pelo poder público no sentido de conseguir retirar subsídios dos setores que precisam de ajuda por conta disso, ou redução de custos, melhora da competitividade, ganhos de escala e correlatos, metas estas a cargo do segmento subsidiado.
Caso as empresas de uma determinada atividade precisem sempre recorrer a benefícios públicos para que existam, o subsídio acaba se tornando uma política permanente. Empresas que só existem porque recebem algum benefício financeiro do governo estão ao mesmo tempo mortas e vivas – são “empresas zumbis”, pois, retirada a ajuda, elas vão à bancarrota.
Em alguns casos, estas empresas não deveriam nem existir no Brasil, dado que o país não tem as vantagens comparativas necessárias para que tais negócios funcionem adequadamente e, por isso, eles em todo caso serão sempre ineficientes. Todavia, também há casos em que o setor conseguiria existir em numa economia saudável, mas se “zumbifica” por conta de problemas de governo ou estruturais: sistema tributário complexo e com altas cargas, burocracia elevada, altos custos trabalhistas e regulatórios e baixa produtividade da mão de obra.
Desta forma, cabe a todos nós compreendermos a dualidade que se obtém quando alguns segmentos só são operantes sob a égide de um subsídio público: eles podem ter sucesso no curto prazo, ter melhores margens e aparentemente se apresentarem saudáveis, mas o subsídio dado no longo prazo, sem plano de encerramento gradual, cria empresas dependentes da intervenção do Estado para sua sobrevivência. Assim, no longo prazo, subsídios zumbificam a economia.
Todavia, não é razoável dizer que subsídios devam ser totalmente extintos e todos os segmentos devam ser tratados de forma completamente igual. Há casos em que o subsídio é fundamental, como em setores com deficiência de infraestrutura que precisam se tornar competitivos em âmbito internacional; auxílios em forma de simplificação tributária para empresas de menor porte conseguirem ganhar eficiência produtiva; atração de grandes empreendimentos para regiões mais pobres do país etc. Contudo, toda política desse tipo precisa de critérios, de um porquê. De igual forma, o auxílio precisa ser limitado no tempo e com plano de retirada, do contrário criar-se-ão corporações que sempre serão dependentes da intervenção estatal para a sua sobrevivência.
Além do mais, é cabível conjecturar por que há necessidade de subsidiar negócios que, em condições normais de temperatura e pressão, não se sustentariam sozinhos. Em partes, isso pode ser explicado porque a economia em referência não apresenta demanda suficiente para aquele tipo de produto. Assim, o benefício é criado para que, atendendo a um interesse público, aquelas empresas consigam alguma sustentabilidade periódica. Entretanto, problemas públicos também vêm à tona: se o governo precisa sempre estar dando auxílios financeiros para que algumas atividades empresariais se tornem rentáveis, é porque o sistema tributário também é distorcido e complicado.
Portanto, urge a necessidade de uma reforma ampla no nosso modelo de tributação. Dentre as propostas que vêm no sentido de modificá-lo, a que atende a esse apelo da sociedade pela revisão das políticas de subsídios, assim como correção das distorções dos tributos no Brasil, é a reforma idealizada pelo economista Bernard Appy, proposta pelo deputado Baleia Rossi na Câmara dos Deputados. Ela parte de mudança gradual, numa transição de dez anos, da forma de cobrança, principalmente dos impostos indiretos. Um dos pontos mais importantes do projeto de lei é a extinção dos subsídios aos setores econômicos, especialmente no que tange às renúncias fiscais.
Até porque, economicamente falando, é uma falha grosseira fazer política econômica pelo lado da receita. Para que se evitem distorções sistemáticas e o nascimento de empresas zumbis, é fundamental que as políticas públicas de compensação sejam feitas prioritariamente pelo lado da despesa. Desta forma seria possível criar um sistema tributário salutar para o desenvolvimento econômico nacional.
Por fim, empresas zumbis no curto prazo produzem mais empregos e trazem um maior bem-estar social; entretanto, no longo prazo, eventualmente irão morrer e trazer um desastre maior que o problema que aquele incentivo público buscava solucionar: vão causar desemprego em massa e quebra de toda uma cadeia produtiva que foi criada artificialmente em torno do segmento zumbificado. Tais políticas tendem a distorcer os preços relativos, os indicadores econômicos e trazer prejuízos a toda a sociedade quando maturadas incorretamente. Cabe à sociedade cobrar dos atores políticos a revisão e a reformulação das políticas públicas idealizadas nesse sentido.
Lucas Pedrosa é mestrando em Economia e integrante da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental de Sergipe.