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A decisão do STF de aceitar denúncias contra as 40 pessoas supostamente ligadas ao escândalo conhecido como mensalão foi celebrada por toda a opinião pública como um alento dentre tantas tragédias éticas vivenciadas pelos brasileiros nos últimos anos. Entretanto, infelizmente, o posicionamento dos ministros não condena, mas apenas atesta a incapacidade total e completa de fazer justiça no país, principalmente contra réus detentores de foro privilegiado, que contempla nossas autoridades políticas.

O trabalho heróico do ministro Joaquim Barbosa e a disposição sobre-humana dos seus colegas transformaram os 40 denunciados em réus, apenas réus. Para julgá-los, será necessário, na melhor das hipóteses, mais cinco anos. Ou seja, a suspeita de um crime cometido em 2005 deverá ser julgada apenas em 2012 e olhe lá! Segundo dados da Associação de Magistrados Brasileiros (AMB), em 19 anos, o Supremo nunca transformou qualquer ação penal movida contra autoridades políticas em condenação.

Portanto, a importância política do caso está em chamar a atenção dos brasileiros para o mais grave de seus problemas: não temos instituições capazes de julgar nossas "autoridades". Os efeitos da impunidade são extremamente perversos, pois deseduca nossos filhos, alimenta a aversão pela política e mina a confiança que temos uns nos outros. Nesse caso, como dizem, a justiça que tarda, já falhou.

As razões da ineficiência são estruturais. O STF está completamente exposto às pressões políticas, atuando incessantemente como árbitro de disputas entre governo e oposição. Além disso, os ministros estão submetidos a uma carga de trabalho desumana e impossível de ser cumprida, causada por um modelo que ampliou demasiadamente a possibilidade de casos e de atores capazes de acioná-lo. Estima-se que o STF julgue, todo ano, 120 mil processos.

A partir desse ponto, temos oportunidade de pensar nas nossas alternativas. Tramitam no Congresso Nacional matérias sobre o assunto, sugerindo a extinção do foro privilegiado (PEC 130/2007) e a criação de tribunal específico para julgar políticos (PEC 115/2007). Suas chances de aprovação crescem na medida em que aumentam a insatisfação e a pressão popular contra a impunidade certa. A extinção do foro privilegiado possui maior simpatia das pessoas, pois envolve questão de justiça, retirando privilégios e tornando todos iguais. No entanto, a criação de uma corte especial para julgar as autoridades políticas poderia ser mais eficiente para diminuir o sentimento de impunidade, dado que os processos seguiriam rito específico, sem os retardos e as infindáveis possibilidades de recurso que também infestam a justiça comum.

A aceitação da denúncia pelo STF teve, pelo menos, o mérito de repreender o plenário da Câmara dos Deputados, que absolveu da cassação até réus confessos, na maior demonstração de corporativismo e de indiferença em relação à opinião pública que uma casa legislativa já demonstrou, até o episódio protagonizado pelo Senado na última semana. A complacência está relacionada ao caráter ordinário das práticas em julgamento, nada estranhas ao cotidiano dos parlamentares, acostumados ao jogo de barganha e chantagem travado todos os dias com o Executivo, com os partidos, com os financiadores de campanha, etc...

Contudo, a atuação do STF proporciona rara lição sobre o funcionamento de importantes instituições da política brasileira. Abriu os olhos da nação para um conjunto de práticas funestas, criando espaço para a discussão e melhoria da legislação e demonstrando o franco processo de depuração das nossas instituições que estamos empreendendo. Muito embora isso pareça doloroso, faz parte do amadurecimento político que finalmente é encarado pela nação brasileira.

Leonardo Barreto é cientista político e professor do Centro Universitário do Distrito Federal (UniDF).

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