Há, no estado do Paraná, três leis que garantem a determinadas categorias de consumidores (estudantes, doadores de sangue e professores) o direito de pagar metade do valor efetivamente cobrado para ingresso em eventos culturais, casas de diversão, espetáculos, praças esportivas etc. A elas soma-se disposição expressa do Estatuto do Idoso que também garante às pessoas com mais de 60 anos o direito de participar em atividades culturais e de lazer com descontos de, no mínimo, 50% nos ingressos.
A concessão do direito à meia-entrada configura nítida política legislativa, produto da ponderação, pelo legislador, entre valores e direitos constitucionalmente assegurados. No caso, privilegia-se o acesso à cultura e ao lazer de parcela da população, ou o incentivo à prática de atividades socialmente relevantes (como ocorre em relação à doação de sangue), em detrimento da liberdade da iniciativa privada de fixar os preços de seus produtos ou serviços.
Note-se que a escolha pela satisfação de um interesse social dentre vários que se apresentam é inerente à atividade legislativa. Isso quer dizer que a opção feita pelo legislador ao editar uma lei, desde que constitucional, é irrelevante no que se refere à obrigatoriedade de seu fiel cumprimento. Deverá sempre ser cumprida, concorde-se ou não com o que nela consta.
Vem se propagando, no entanto, principalmente entre as produtoras de espetáculos musicais e circenses, uma prática ilícita, grosseiramente fraudulenta, com o intuito claro de burlar a garantia da meia-entrada. Todos os ingressos passam a ser "meia-entrada", independentemente de ser o consumidor titular do benefício. Normalmente, há duas classes de ingressos: uma para estudantes, idosos, doadores de sangue e professores; outra, no mesmo valor, denominada de "ingresso solidário", "ingresso promocional" ou expressão similar, concedida para os consumidores que levarem um quilo de alimento não perecível no dia do evento.
Em alguns casos, visando a mascarar a fraude, vendem-se também "entradas inteiras", como se alguém realmente optasse por adquiri-las. Revela-se usual, porém, a inexistência da possibilidade de compra de ingressos que não sejam "meia-entrada".
Para agravar a situação, dificilmente o efetivo controle da entrega dos alimentos no dia do espetáculo é realizado. E, diante da indiferença de ser o ingresso adquirido "meia-entrada" ou "ingresso solidário", também não se controla se os portadores da "meia-entrada" são realmente estudantes, professores, idosos ou doadores de sangue. A consequência é lógica: ao se garantir a meia-entrada a todos, ninguém mais tem direito à meia-entrada; e o valor do ingresso passa a ser sempre integral.
Não há nenhuma brecha legal para a prática acima mencionada. Todas as leis que tratam da meia-entrada são bastante específicas ao afirmar que o consumidor titular do benefício tem o direito de pagar metade do valor cobrado. A mais recente delas preocupou-se em eliminar todas as eventuais dúvidas acerca da possibilidade de equiparação de outros ingressos à meia-entrada, dispondo, no parágrafo único do art. 1.º, que "A meia-entrada corresponderá sempre à metade do valor do ingresso cobrado, ainda que sobre o seu preço incidam descontos ou atividades promocionais".
Diante de uma situação como essa, pouco resta ao consumidor senão adquirir o ingresso pelo valor integral e depois buscar, judicialmente, a devida reparação.
Em primeiro lugar, terá o consumidor direito a receber em dobro o valor indevidamente pago, como disposto no art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor. O valor a ser ressarcido será equivalente ao valor pago pelo ingresso, corrigido e acrescido dos juros legais.
O consumidor também deverá ser compensado pelos danos morais sofridos, decorrentes de uma indiscutível violação de garantia fundamental do indivíduo, além do desrespeito a direitos legalmente assegurados, em razão de uma prática dolosamente ilícita e fraudulenta.
A situação ainda poderá ser denunciada ao Ministério Público para a propositura de ação civil pública contra o infrator.
Os estudantes paranaenses lesados também poderão denunciar a situação às respectivas prefeituras municipais, já que estas têm o dever-poder de impor sanções administrativas ao estabelecimento infrator e, até mesmo, suspender o seu alvará de funcionamento.
Tomadas tais medidas, resta apenas esperar que o Poder Judiciário tenha bom senso e, de forma ativa, com a fixação de indenizações substanciosas (que efetivamente previnam e punam os agentes causadores dos danos), façam ser respeitados os direitos garantidos em lei aos consumidores beneficiados pela meia-entrada.
Rodrigo Ramina de Lucca, advogado, é mestrando em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). E-mail: rodrigo.ramina@yahoo.com.br