Imagine uma família com 10 membros vive isolada do mundo em uma propriedade agrícola à beira de um rio, e ali eles produzem o que necessitam para viver. Admita que cinco membros trabalham na propriedade e os demais não estão em idade de trabalhar. O padrão de vida da família será aquele propiciado pela produção dos cinco que trabalham. Se toda produção for dividida em partes iguais, o padrão de vida de cada um será a produção total dividida por 10.
Essa divisão resulta no que chamamos de produto per capita, produto por habitante ou produto por pessoa, expressões que querem dizer a mesma coisa. Ali a divisão é física, não há mercado, logo, não há sistema de preços nem moeda para intermediar trocas. Vendo por outro ângulo, o padrão de vida depende da produtividade, que é a produção anual dividida pelo número anual de horas trabalhadas. Produtividade é apenas isso: o produto nacional dividido pelas horas trabalhadas por todos para a obtenção desse produto.
Um dia, alguém diz: “sugiro vender 10% de nossa produção para outra comunidade e comprar um trator agrícola, para produzirmos mais por hora trabalhada”. Um economista perguntaria: vocês estão dispostos a consumir 10% menos no ano em que venderem 10% da produção? Para obter o trator (investimento), o consumo terá de ser reduzido, pois a produção total é a mesma e 10% dela terá de ser vendida. Em se tratando de apenas uma família isolada do mundo, a coisa parece óbvia.
Mas, pegue uma nação de 213 milhões de habitantes (número dado pelo IBGE em maio/2021), da qual 106 milhões compõem a população em condições de trabalhar, cujo produto nacional é composto de milhões de itens de produtos, desde um pé de alface até um avião, passando por milhares de tipos de serviços pessoais. Com a divisão do trabalho, os produtos (bens e serviços) são trocados no mercado com a moeda que cada um recebe por sua participação no processo produtivo.
Naquela família isolada do mundo, os cinco trabalhadores e o trator representam o capital humano e o capital físico. Em um país de milhões, a realidade é muito mais complexa, mas os princípios básicos são similares. Por exemplo, como é construído o capital físico de uma nação capitalista? Os empreendedores contratam pessoas, compram capital físico (fabricado por membros da mesma sociedade), produzem e vendem.
O produto total da nação do ano é dividido em bens e serviços de consumo e bens de capital. Assim como aquela família consumiu 10% menos que o produto total no ano em que vendeu 10% da produção para comprar o trator, uma sociedade consume no ano o produto nacional menos os bens de capital (prédios, máquinas, equipamentos, veículos, ferramentas, residências etc.).
O capital físico se incorpora à estrutura produtiva para aumentar o produto nacional dos anos seguintes. A macroeconomia é um conjunto de teorias, conceitos e cálculos destinados a entender o processo de produzir, distribuir, fazer circular, consumir, poupar, acumular capital e atender às múltiplas e ilimitadas necessidades com os recursos escassos, sob um sistema de trocas (o mercado) e um mecanismo de preços, intermediados por um instrumento de troca: a moeda nacional.
Quem comprará os bens de capital físico e com que dinheiro? São as empresas (com o lucro que elas obtêm) e o governo (com o tributo que retira da sociedade). Parte das horas trabalhadas pela nação é dedicada a produzir de bens de capital e o lucro em geral é usado para as empresas e o governo fazerem investimento. Parte ínfima do lucro é levada para casa pelo empresário para seu consumo, mesmo porque o dono da empresa também tem um salário por seu trabalho (chamado retirada pró-labore).
Há lucro distribuído ao empresário (no caso de empresas fechadas) ou ao acionista (no caso de empresas de capital aberto, como dividendos). Mas, mesmo esse lucro distribuído vira investimento, por exemplo, em moradias ou outros negócios da família ou ainda reinvestimento em ações da própria empresa (caso dos dividendos dos portadores de ações), portanto, aumento do capital físico da nação.
Voltarei ao tema, mas encerro com uma passagem escrita pelo economista Luigi Einaudi (1874-1961), que foi presidente da Itália de 1948 a 1955: “Quem assumirá a responsabilidade de conservar, renovar e fazer crescer o capital nacional se os altos impostos, os altos salários e a previdência social não deixarem margem de lucro para as empresas? É preciso ser lógico: ou se tenta, como na Rússia, construir um outro sistema, ou é mister resignar-se a aceitar o elemento motor da empresa privada, que é a esperança de lucro proporcional ao investimento realizado”.
José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.