Estamos próximos de completar 20 anos de SUS. Quando participei da luta para inserir na Constituição de 1988 os conceitos da universalidade e gratuidade da assistência à saúde, acreditava num sistema em que a medicina e todos os seus avanços pudessem estar à disposição da população e que permitisse ao profissional de saúde ter o reconhecimento da sociedade por seu empenho e dedicação.

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Muito se fez nestas quase duas décadas. O SUS é uma realidade inconteste, tendo se consagrado como uma efetiva conquista da sociedade. A sua expansão e função social é inegável, expressa no crescimento do número de serviços públicos, no enorme volume de procedimentos ofertados e na cobertura populacional alcançada.

Mas os avanços esbarram na rigidez do modelo de administração pública direta. Se os conceitos de universalidade e gratuidade permanecem como os pilares do SUS, o modelo de administração das unidades de saúde pública está se esgotando. É um modelo em fase terminal, que não atende adequadamente às expectativas do cidadão de receber um atendimento de qualidade, não atende às expectativas dos profissionais de saúde, que se vêem em condições indignas, desmotivados e com salários baixos, e não atende aos interesses dos gestores, que percebem que o modelo não responde às suas necessidades como administradores de recursos públicos.

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Essa condição é obviamente derivada da complexidade do processo, em particular nos hospitais, que exigem muita agilidade gerencial para que o trabalho seja eficiente e com qualidade. A administração pública tradicional não favorece a melhor gestão na provisão de serviços.

Não é à toa que praticamente todos os melhores hospitais públicos brasileiros construíram artifícios para fugir desse tipo de administração. Na década de 1990 proliferaram fundações privadas de apoio que acabaram por desempenhar funções administrativas ao lado da administração do próprio hospital, utilizando dinheiro público do SUS. No próprio Ministério da Saúde, o Inca e o Instituto de Cardiologia no Rio são exemplos dessa alternativa. Praticamente a totalidade dos hospitais universitários adota esse tipo de gestão. Claramente tratou-se de uma estratégia que buscou contornar os constrangimentos da administração pública, ainda que tenha possibilitado aos hospitais não só recompensar a qualificação profissional como transformar os serviços em referencial de excelência.

A verdade é que, por mais eficazes que sejam, esses modelos estão questionados juridicamente e com os dias contados, segundo decisão do TCU e dos órgãos de controle. Por isso, buscamos um novo modelo jurídico institucional legal para os hospitais e institutos federais, que mude radicalmente o padrão de gestão existente, bastante burocratizado, para uma alternativa mais ágil, transparente e participativa: a Fundação Estatal.

A Fundação Estatal é uma entidade do Estado. A proposta não é privatizar, muito pelo contrário. É trazer para dentro do Estado inovações que o mundo inteiro está experimentando: autonomia, contratos de desempenho, modelos mais eficientes de gestão, cobrança de resultados da administração, remuneração por bom desempenho. Ninguém está inventando a roda. Este modelo já faz parte do cotidiano da administração pública de países como Portugal, França e Inglaterra.

Na Fundação Estatal, os novos contratados serão regidos pela CLT, sem desprezar em momento algum a seleção por concurso público, com prova e, dependendo da complexidade do cargo, com avaliação de títulos. Não haverá mudança para quem é estatutário. Ele não será obrigado a migrar para a CLT e terá seus direitos adquiridos preservados. Aproveito para destacar que a recente liminar do STF sobre obrigatoriedade do Regime Jurídico Único não afeta nosso projeto, por tratar-se de fundação estatal de direito privado, como atestam juristas da estatura de Carlos Ari Sundfeld, Maria Sylvia di Pietro, José dos Santos Carvalho Filho, Alexandre Santos de Aragão e Gustavo Binenbojm.

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Como toda proposta nova, é natural a incerteza, principalmente para os servidores. Neste momento, o importante é estar aberto para, antes de tudo, conhecer de fato esse novo modelo de gestão. O sonho de um sistema de saúde para todos não pode se dar por terminado com a sua criação. Muito menos se tornar inviável depois de 20 anos de empenho e dedicação de diferentes profissionais. É preciso que seja fortalecido, acompanhe as mudanças, cumpra sua função principal de proporcionar um atendimento digno e que seja orgulho de seus servidores e de toda a população brasileira.

José Gomes Temporão, é Ministro da Justiça.