Av. Silva Jardim, em Curitiba. Imagem ilustrativa.| Foto: Daniel Caron/ Arquivo/ Gazeta do Povo
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Salim Mattar, ex-secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, ao sair do governo federal expressou que “a lógica de governo não é a lógica da iniciativa privada (...) no governo [a orientação] é permanecer as coisas como são para manter do jeito que estão”. Na gestão patrimonial, entretanto, há indícios de uma marcha contrária a este quase paradigma.

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Embora pareça claro que não seja papel do Estado a acumulação de propriedades, surpreende a notícia de que a União federal é proprietária de mais de 750 mil imóveis. No estado do Paraná a situação também é anacrônica: são mais de 5 mil imóveis, muitos deles desocupados, gerando gastos com manutenção e segurança. Os gastos com locação pelos entes públicos, de outro norte, são altíssimos. Só a administração federal despendeu cerca de R$ 850 milhões em um ano. A conta não fecha.

Mecanismos como a locação de espaços públicos ao mercado, a venda e a permuta de áreas desocupadas ou subutilizadas são exemplos que visam a melhoria organizacional e o gerenciamento do imobiliário público. Em 2020, com a aprovação da Lei Federal 14.011, vieram novos instrumentos, mais ágeis e simplificados, que buscam positivar a equação desta conta. Orientações estas que devem ser seguidas pelos governos estaduais. O objetivo de tais instrumentos é transformar o imobilizado que não cumpre o interesse público em caixa ao Estado, repassando os imóveis ao mercado, buscando geração de emprego e renda. Surge, então, a possibilidade de certame de alienação virtual, a livre manifestação de interesse na aquisição de imóveis, a venda direta com participação de corretores e a venda em lotes.

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No Paraná, destaca-se a recente transformação de uma Coordenadoria de Patrimônio da Secretaria da Administração e da Previdência em diretoria, revelando a importância estratégica dada ao assunto pelo governo, com remanejamento e requalificação do quadro de pessoal, buscando a aptidão técnica necessária ao cumprimento da agenda. A gestão estadual realizou em 2020 um diagnóstico das sedes locadas por órgãos e entidades, orientando que novas locações ou renovações fossem instruídas com relatório circunstanciado para identificação de localidade, número de servidores, atividades desenvolvidas, croqui da área, fotos das acomodações, bem como indicando a tentativa de renegociação dos contratos vigentes, visando a redução do valor da locação ou não aplicação de reajustes. O resultado das negociações, apurado em agosto deste ano, já apontava uma projeção de economia de mais de R$ 1,4 milhão anualmente aos cofres públicos.

Alterações do marco legal também foram colocadas em curso. A Proposta de Emenda Constitucional 3/2020 para alteração do artigo 10 da Constituição Estadual visa simplificar as alienações, deixando a regulamentação da matéria à legislação infraconstitucional, propriamente a Lei Estadual 15.608/2007, que trata das licitações e contratos no estado. Encaminhou-se à Assembleia Legislativa, também, a criação do Fundo Especial de Gestão Patrimonial para reverter os ganhos com alienações e locações às adequações dos imóveis inutilizados e permitir a aquisição de novos bens para acomodar as repartições públicas que atualmente gastam com locação. A proposta do fundo visa, ainda, a adoção de dispositivos de âmbito nacional, trazidos pela já citada Lei 14.011/2020, como, por exemplo, descontos sucessivos nos leilões de imóveis de até 25%, adoção de parceria com o Conselho Regional de Corretores de Imóveis (Creci) para publicidade da venda dos ativos, e alienação por lote visando a valorização dos bens menos procurados no mercado.

Mais uma proposta é a outorga onerosa do direito de construir dos imóveis tombados. Disciplinada no Estatuto das Cidades, a outorga onerosa fomenta o constante crescimento do mercado imobiliário por gerar aos proprietários e investidores o interesse em adquirir potencial construtivo que aumente o coeficiente de edificações. Surge, assim, a possibilidade de realização de licitação para venda do potencial construtivo dos bens do Estado, em especial do patrimônio histórico e cultural, que não pode alterar significativamente suas construções.

Outro projeto é aceitar precatórios para compra de imóveis do Estado, medida prevista no artigo 100, §11, da Constituição Federal. Atualmente o Paraná tem cadastrados cerca de 300 imóveis desocupados, ativo financeiro avaliado em aproximadamente R$ 100 milhões. Em contrapartida, embora o estado esteja constantemente minorando seus débitos, o valor aproximado da dívida pública é de R$ 7 bilhões. Tal política pública visa conferir maior liquidez ao crédito de precatório estadual, possibilitando ao seu respectivo titular uma alternativa ao regime tradicional de pagamento hoje existente, bem como desonerar o governo na manutenção de imóveis públicos desocupados e desafetados.

Na mesma linha, de modo a regulamentar as permutas de imóveis públicos por outros imóveis ou por edificações a construir, mais adequadas à administração, minutou-se decreto que estabelece o banco de permuta do estado do Paraná, visando a formalização do procedimento, trazendo mais segurança jurídica nas relações travadas entre administração e setor privado.

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Aliada à busca de alterações legislativas, trazendo ainda mais modernização à gestão do patrimônio estadual, em poucos meses inaugurou-se a possibilidade de alienação de imóveis provenientes de dação em pagamento e processos judiciais por meio de leilões eletrônicos, conduzidos por leiloeiros administrativos. O Paraná optou, ainda neste ano, pela extinção do Departamento de Imprensa Oficial, encerrando as atividades do parque gráfico e incorporando na administração direta a publicação eletrônica dos diários. O imóvel que sediava a autarquia terá uma nova destinação, acomodando outros órgãos e entidades, diminuindo ainda mais os gastos com locação.

Está posta em curso, portanto, uma verdadeira virada de Copérnico na gestão patrimonial. A administração segue amenizando a pecha de altamente custosa aos seus cidadãos e contrária a qualquer lógica, focando na real função dos bens públicos, que é a de instrumentalizar as atividades administrativas, notadamente os serviços públicos.

Diego Nogueira é doutor em Políticas Públicas. Fabianne G. M. Winkelmann é especialista em Direito Administrativo.