| Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

No campo semântico encontra-se, em esforço, “greve dos caminhoneiros”, “paralisação dos caminhoneiros”, “crise de desabastecimento”, “lockout do setor empresarial”. Independente da semântica, a situação que a sociedade brasileira vivencia é assaz grave. Estruturalmente, somos “rododependentes”, dependemos do modal rodoviário em detrimento das ferrovias e hidrovias. Em termos de conjuntura política, cabe, sem titubear, questionar a quem interessa a lógica do quanto pior melhor. A quem interessa?

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Sabidamente, o governo Temer é fraco, impopular, com uma equipe aquém do se esperaria tanto no campo da comunicação institucional ou da prática política. As denúncias da Procuradoria Geral da República fizeram com que Temer gastasse seu pouco capital político para não ser investigado e, possivelmente, afastado da Presidência. Com isso, sua visão obnubilada não teve a necessária compreensão da gravidade da crise que se avizinhava tendo como ponto fulcral os caminhoneiros. As condições laborais e nas estradas brasileiras são, sem dúvida, cruéis aos caminhoneiros. Mas, nem de longe são, de todos os trabalhadores, os mais precários ou explorados. Com isso, pode-se, peremptoriamente, afirmar que uma paralisação ou uma greve seria justa e legal, mas o que vemos passou da legitimidade e dos interesses de trabalhadores.

As condições laborais e nas estradas brasileiras são, sem dúvida, cruéis aos caminhoneiros

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Não bastasse as claras digitais da classe patronal num lockout, veio à tona que, no momento, os interesses estão, entre outros, na demissão de Pedro Parente da Petrobras (com anúncio de greve dos petroleiros, cujo sindicado tem ligações conhecidas com partido político), a mudança dos critérios do preço dos combustíveis e, pasmem, a retomada do “Fora Temer”. Assim, novamente, a quem interessa com pouco mais de quatro meses para as eleições, retirar Temer do poder? Temer é fraco, ruim, isso é fato público; mas, nem de longe, pode ser comparado, por exemplo, ao governo Dilma, muito, muitíssimo pior. Sem pudores em ter se transformado numa “fábrica de narrativas” e não mais num partido político, petistas, agora, chegam a afirmar que a gasolina e diesel estão mais caros com Temer do que eram com Dilma. Querem apagar, como regimes autoritários, a recente realidade de incapacidade de gestão, populismo e corrupção que arrebentou a Petrobras na era “lulopetista”. Há muito, alhures, já se afirmou que o brasileiro não gosta de capitalismo, gosta de um Estado hipertrofiado e benevolente com uns à custa de todos.

Leia também: Protesto, greve ou locaute no transporte (artigo de Sandro Lunard Nicoladeli, publicado em 31 de maio de 2018)

Opinião da Gazeta: Estrada para o desenvolvimento (editorial de 28 de maio de 2018)

Não nos enganemos, pois! Derrubar Temer e apostar na lógica do quanto pior melhor não está no horizonte dos democratas, dos liberais, da esquerda democrática, dos sociais-democratas. Não. O “quanto pior melhor” está mais próximo das posturas autocráticas, à esquerda e à direita. E, nesse caso, pode-se imaginar uma ferradura em que os extremos estão nas pontas mais próximos do que distantes, numa visão anacrônica, num Estado intervencionista, no discurso da ordem, da força, da hierarquia. A quem, caro leitor, interessa essa situação: Petrobras derretendo na bolsa de valores, os agentes do mercado elevando os riscos políticos no Brasil, a melhoria da economia que era lenta já está perdida neste ano, alimentos estragados, milhões animais mortos, preços de produtos exorbitantes? Os caminhoneiros autônomos, certamente, tinham demandas, mas foram instrumentalizados por interesses bem distantes dos seus. Há um desencontro da história, da realidade, com a consciências social de indivíduos e grupos. Perdemos, todos, sempre, pois o custo chegará.

Rodrigo Augusto Prando
é cientista político e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. É bacharel e licenciado em Ciências Sociais, mestre e doutor em Sociologia, pela Unesp/FCLAr.