Conforme amplamente divulgado nos noticiários, os protestos dos auditores fiscais da Receita Federal já afetam significativamente as operações no Aeroporto Internacional de Viracopos, aumentando de dois para 15 dias o tempo de liberação dos processos de importação, prejudicando os particulares que dependem da importação para manter o fluxo de produção e todas as suas atividades.
Não se questiona, aqui, se a greve e os protestos são legítimos. Ocorre que, ainda que a paralisação seja um direito dos servidores, ele não pode impedir a continuidade de serviço essencial e causar prejuízos aos particulares. Se o movimento deflagrado pelos agentes obsta a prestação normal dos serviços públicos e traz risco de prejuízo aos particulares, deve o Judiciário intervir para determinar a liberação das mercadorias. Nesse sentido, a Segunda Turma do STJ decidiu em 2001, no REsp 179255/SP, com relatoria do ministro Franciulli Neto, que “não cabe ao particular arcar com qualquer ônus em decorrência do exercício do direito de greve dos servidores, que, embora legítimo, não justifica a imposição de qualquer gravame ao particular” e que “devem as mercadorias ser liberadas, para que a parte não sofra prejuízo”. Da mesma forma, em 2012, prelecionou a desembargadora federal Regina Costa, do TRF3, que “a greve dos servidores da Receita Federal não pode paralisar o desembaraço aduaneiro das mercadorias importadas, porquanto essa descontinuidade do serviço causa prejuízos ao particular, na medida em que obstaculiza o exercício de seu objeto social”.
A inércia da autoridade aduaneira, independentemente dos motivos, configura ato abusivo e ilegal, hábil a legitimar a impetração de um mandado de segurança, na medida que nega ao particular a prestação de serviço essencial, causando prejuízo, sem o devido respaldo e observância da ordem jurídica vigente. Ainda mais quando se sabe que o fiscal tem o prazo de cinco a oito dias para concluir o desembraço aduaneiro ou solicitar alguma exigência após a recepção dos documentos. É que, historicamente, a autoridade aduaneira tinha o prazo máximo de cinco dias para concluir o desembaraço aduaneiro ou solicitar eventual exigência após a recepção dos documentos, nos termos do artigo 25 da IN 69/96 da Secretaria da Receita Federal.
A aludida IN 69/96, no entanto, foi convenientemente revogada por regramento superveniente sobre o tema, em que se suprimiu a existência de prazo para a conferência aduaneira. A solução, contudo, é trazida pelo artigo 24 da Lei 9.784/1999, que disciplina o processo administrativo no âmbito da administração pública federal e prevê que, “inexistindo disposição específica, os atos do órgão ou autoridade responsável pelo processo e dos administrados que dele participem devem ser praticados no prazo de cinco dias, salvo motivo de força maior”. No mesmo sentido, tem aplicação o artigo 4º do Decreto 70.235/1972 (que dispõe sobre procedimento administrativo fiscal), o qual prevê que o servidor executará os atos processuais em oito dias, na ausência de regulamentação específica.
Em razão disso, pode e deve o administrado recorrer ao Judiciário para obter uma ordem autorizando a continuidade do despacho de importação das mercadorias, caso o referido prazo tenha sido extrapolado, ainda que a demora seja “justificada” por eventual greve do servidor, já que ela não pode ser utilizada como escusa para impedir a continuidade do serviço essencial, ainda mais quando traz prejuízos ao particular e já se extrapolou a duração razoável para todo o processo.
Letícia Martins de França é advogada com atuação na área de Contencioso e Arbitragem.
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