A Guerra da Crimeia, em meados do século 19, trouxe, além de suas tristes consequências, uma característica interessante: foi a primeira guerra a ser fotografada. A partir de então, as histórias do “homem como lobo do homem” passaram a ser não mais apenas contadas, mas também registradas e mostradas. Este fato influenciou muitos movimentos da psicologia, psiquiatria e artes. Movimentos como fauvismo, cubismo e, de certa forma, o surrealismo tiveram, direta ou indiretamente, seu berço nas imagens nuas, cruas e cruéis das ganâncias, irresponsabilidades e distorções humanas. Hoje, vivemos a época em que tudo é fotografado ou filmado. O “Grande Irmão” somos todos nós. O que é escrito ou contado passou a ser lento e cansativo. Virou démodé. Aliás, a continuar assim, livros escolares no futuro, em vez de páginas escritas, terão clicks e links. Tudo será visto e ouvido no lugar de escrito e lido. Vivemos o início da era do imediatismo.
O que é escrito ou contado passou a ser lento e cansativo
Dos clicks e links imediatos das redes sociais, tivemos oportunidade de ver cenas surpreendentes em 2016. Tivemos uma surpresa tragicamente gananciosa: o voo da LaMia; uma surpresa comovente: o estádio de Medellín lotado, sem bola no campo, homenageando a Chapecoense; uma supresa debochante: os deputados votando na surdina um projeto que visava apenas a protegê-los; uma surpresa ingenuamente brasileira: os atletas de ouro da vara e do remo; uma surpresa política: o impeachment da Dilma; uma surpresa jurídica: a votação no Senado defenestrando a Dilma, mas deixando-a com direitos políticos; uma surpresa surpreendente: Lula afirmando que não há no Brasil ninguém mais honesto do que ele; a ausência de surpresa: Renan fugindo da decisão do STF para, dois dias depois, quando mantido na presidência do Senado, afirmar que “decisão do STF se cumpre”; uma surpresa comunitária: o Brexit; uma surpresa preocupante: Trump na Casa Branca; uma surpresa injusta: a Alemanha, por ajudar imigrantes, paga preço alto com atentados terroristas.
E, por fim, uma surpresa com tristeza sem limites: a imagem angelical do menino de Aleppo ao passar a mão infantil no rosto ensanguentado para, logo em seguida, e com certo ar de vergonha, “escondê-la” debaixo da perna.
Teremos inúmeras surpresas em 2017: no lugar de clicar ou linkar, que algumas crianças possam ler mais; no lugar de sofrer com brigas e guerras que não lhes pertencem, que outras (inúmeras) crianças possam exercitar o seu simples, mágico e inalienável direito: o de só brincar mais, muito mais!
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