É tempo de salvar a estabilidade do Real, condição básica para o bem-estar do trabalhador. Mas não peçamos sacrifícios apenas aos que recebem salário mínimo

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Depois de assumirmos compromissos para fazer os PACs 1 e 2, Copa e Olim­­­píada, reajustes de mais de 61% nos salários dos 50 mil parlamentares do Brasil, do presidente, dos ministros, governadores prefeitos, além de seus secretários, o governo apresentou um reajuste para o salário mínimo de R$ 510 para R$ 545 e um corte de gastos no valor de R$ 50 bilhões no orçamento de 2011. Tudo isso porque os gastos públicos provocados pelo salário mínimo e pela saúde, educação e esporte podem trazer aumento nos preços, trazendo de volta a famigerada inflação.

Depois de aumentar os salários dos parlamentares e dirigentes do país, a Câmara votou e agora o Senado votará se aceita ou não o au­­­­mento de salário mínimo de R$ 510 para R$ 545 – sendo que ainda há as propostas de R$ 560 ou R$ 580, o que, respectivamente, corresponderá a um aumento de um, ou um e meio ou dois pães (franceses) por dia para cada integrante da típica família brasileira, onde o chefe da família ganha um salário mínimo.

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É contra o aumento aquisitivo de um a dois pães por dia (para o cidadão de uma família cuja renda formal é de cerca de um salário mínimo) que as centrais sindicais e a oposição no Congresso estão levantando suas bandeiras. Não se insurgem contra a Copa, os PACs, a Olimpíada, nem contra o aumento de salários dos parlamentares, ministros, governadores, prefeitos e do presidente.

É triste, mas a guerra política brasileira limita seu radicalismo ao número de pães a mais por dia para o trabalhador. E o mais grave é que deixamos o Brasil entrar em uma crise entre a aritmética e a moral.

Do ponto de vista da aritmética, de fato, cada R$ 1 a mais no Imposto de Renda significa um acréscimo de bilhões de reais no orçamento público, pelo impacto sobre a previdência no nível federal e sobre os custos operacionais de algumas prefeituras. Esse acréscimo pode significar um aumento na taxa de inflação que, ao chegar a 6% ao ano, já dá sinais de estar perto do descontrole. E sabe-se que, em consequência, serão os pobres os grandes perdedores, além do custo nacional de desarticulação do tecido social e econômico, como aqueles com mais de 35 anos lembram muito bem.

A luta pela estabilidade monetária exige um grande acordo nacional. A volta da inflação tem na economia uma consequência do tipo da volta de ditadura no Brasil. No Egito, milhões se mobilizaram para se livrar de um tirano. No Brasil, precisamos nos mobilizar para evitar que volte uma tirana: a inflação. Isso pode explicar porque o governo federal se agarra a um salário mínimo ridículo de R$ 545, contra os ridículos R$ 580 dos "radicais" e que esteja tomando medidas duras para cortar R$ 50 bilhões dos gastos previstos para 2011.

Essa é a força da aritmética. Mas ela precisa ser casada com a força da ética. Caso contrário, o governo estará tomando uma medida que não contará com o apoio popular.

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É tempo de salvar a estabilidade do Real, condição básica para o bem-estar do trabalhador. Mas não peçamos sacrifícios apenas aos que recebem salário mínimo, nem imponhamos os cortes sem convencer a população, sem darmos exemplos de que é preciso sacrifício e que ele seja compartido por todos, sem pesar apenas nos ombros dos mais pobres, como o Brasil vem fazendo desde que Cabral chegou por aqui, escravizando os índios e os africanos, que viviam em condições materiais não muito piores do que oferece hoje um salário mínimo, mesmo de R$ 580 que tanto satisfaz aos "radicais" brasileiros de 510 anos depois.

Se transformarmos o salário mínimo em uma guerra de pães, e fizermos os cortes de gastos apenas sobre quem não tem poder de reagir, sem tocar nos privilégios, estaremos escolhendo a aritmética contra a ética. Fazendo uma aritmética sem vergonha.

Cristovam Buarque é senador pelo PDT-DF.