As "idades de ouro" são geralmente perceptíveis pelo retrovisor, décadas ou séculos depois, em tratados e tertúlias históricas
Não foi para as manchetes, mas estava na primeira página do Globo desta sexta a entrevista do cineasta Cacá Diegues pregando a união PT-PSDB. Para acabar com as eleições? Não, para preservar o que chama de idade de ouro do Brasil que vivemos há 18 anos consecutivos desde Itamar Franco. Sem perceber.
É a segunda melhor notícia política desta semana: a primeira foi o voto no STF do sisudo e manso Carlos Ayres Brito determinando que seja anulada até o julgamento do mérito a legislação que proíbe o uso do humor nos programas sobre política do rádio e tevê. Eleição com riso e sorriso ajuda a todos os candidatos o humor é obrigatoriamente giratório. Ajuda sobretudo o eleitor livrando-o de uma campanha áspera, penosa.
Cacá Diegues, felizmente, não é uma "celebridade": não assina coluna em jornal, portanto não é dono da verdade, não frequenta as páginas mundanas porque passa o dia construindo pontes. É um militante das aproximações. Como Daniel Barenboim na Palestina. Sua visão do Brasil pós-Collor pode irritar xiitas de diferentes confissões, mas certamente será encampada pelos historiadores de amanhã.
Sua ótica é a de um idealista, não de um idilista, devaneador. Sua avaliação sobre a pacificação das favelas cariocas é rigorosa, realista, antidemagógica, anti-dogmática: o narcotráfico não entregou as armas, mudou de tática. O que não significa que a política de pacificação das comunidades carentes deva ser abandonada, ao contrário, o Estado deve ser mais inteligente e antecipar-se ao crime organizado.
Quando menciona uma união PT-PSDB não está envergando uma bata indiana, pregando "paz e amor", ou sugerindo uma chapa Serma ou Dilrra, apenas constata convergências. Como filho do antropólogo Manuel Diegues Jr., incorpora no seu DNA uma racionalidade capaz de identificar no Brasil um estofo político e cultural que lhe dá condições para escapar das tentações populistas e autoritárias ora em exibição no continente.
Quando no fim da ditadura localizou as patrulhas ideológicas e investiu contra elas em memorável entrevista no Estadão, identificava um ressentimento fundamentalista que agora, 30 anos depois, ainda purga, inflamado.
Como nossa República jamais foi parlamentarista (exceto nos quase dois anos seguintes à renúncia de Jânio Quadros), as instituições brasileiras não assimilaram o conceito de continuidade. A cada governo, o brado de "muda tudo", a volta à estaca zero, o desperdício da reconstrução. A percepção de acertos passados é substituída pelo clamor contra a "herança maldita" que, apesar do nome, nunca é alterada.
As "idades de ouro" são geralmente perceptíveis pelo retrovisor, décadas ou séculos depois, em tratados e tertúlias históricas. Já houve uma, em letra de forma, "Idade dOuro do Brazil" um periódico, o segundo impresso na colônia, o primeiro da Bahia, três anos depois do pioneiro Correio Braziliense. O reinado de dom Pedro II foi uma idade de ouro, os anos dourados de JK, imprecisamente definidos, são outra.
Cacá Diegues, o cineasta das favelas, enxergou uma enquanto floresce, no auge. Vale a pena examiná-la.
Alberto Dines é jornalista.
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