O artigo de Domingos Pelegrini sobre a Ilha do Mel publicado na Gazeta do Povo de 23 de fevereiro nos traz boas lembranças de quando podíamos chamar a ilha de "paraíso"! Assim como muitos daquela geração, frequentávamos esse pequeno pedaço de mata e praias, numa época em que ainda se podia comer o peixe que o pescador pescava e o pão que sua mulher assava, fazendo fogueira na praia e curtindo as estrelas e o luar.
A ilha passou por diversas fases, como no começo do século 20, quando somente famílias ricas de Curitiba tinham lá suas casas de veraneio e o único acesso era por barco, a partir de Paranaguá. Já na década de 1920, com o hotel perto da Fortaleza, a Ilha do Mel viveu tempos áureos, quando foi considerada efetivamente o primeiro recanto turístico do estado do Paraná, sendo inclusive altamente frequentada no período do inverno, quando os perigos das doenças tropicais eram menores.
Por volta de 1945, a ilha viveu um período de isolamento quando passou a ser território estratégico para a segurança nacional, com a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, sendo muitas casas desapropriadas e entregues aos militares que fizeram plantão no local. Somente a partir dos anos 60, 70 e 80 é que a ilha voltou a atrair turistas em busca das suas belezas naturais, tornando o nativo um prestador de serviços de pousada e alimentação, ainda que precárias.
No entanto, tudo iria mudar quando, em 1988, chegaria a luz elétrica à ilha, além do serviço regular de transporte e não mais o barco do pescador com o qual combinávamos o preço da travessia a partir da praia de Pontal do Sul. Os moradores locais passam, então, a ter mais acesso a bens de consumo, como tevê, rádio, eletrodomésticos, mobiliário. Poucos continuam a ser pescadores e viram "empresários", donos de campings, lanchonetes, barcos de travessia, lojinhas de R$ 1,99, entre outras atividades. Houve quem também se tornasse fornecedor de uma boa "erva natural" para os frequentadores urbanos em busca de outras viagens! Nativos também passam a negociar seus terrenos com veranistas, que conseguem construir casas de melhor padrão.
Com o aumento do turismo, casas, pousadas, restaurantes, aumentaram também os problemas: necessidade de fornecimento de mais energia elétrica e água potável, além do tratamento do esgoto e dos resíduos.
Costumo usar a Ilha do Mel como exemplo para meus alunos entenderem o termo "capacidade de carga ou capacidade de suporte", quando explico os limites do nosso planeta. Oriundo da Ecologia, o termo significa a capacidade de sustentação de um ambiente qualquer, para que uma população estável se mantenha em equilíbrio indefinidamente. Em outras palavras, limites são impostos à ocupação humana e a suas atividades econômicas, que no médio e longo prazo sempre alteram o meio ambiente de forma negativa. Em 1996, o Instituto Ambiental do Paraná (IAP) implantou o Plano de Gestão Integrado da Ilha do Mel, que indicava uma capacidade de suporte para a ilha de aproximadamente 4 mil pessoas, sendo que atualmente é permitida a entrada de 5 mil. As últimas estatísticas demonstram que, da metade de dezembro de 2013 até o fim de janeiro de 2014, a ilha atraiu 55 mil visitantes!
A analogia é simples: a ilha pode ser vista como um microcosmo do que vivemos na atualidade. Temos um planeta finito em recursos naturais, com 7 bilhões de pessoas, com uma pequena parte consumindo e a outra, a grande maioria, ainda sobrevivendo. A Terra será capaz de absorver 9,6 bilhões em 2050, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), no padrão de consumo dos veranistas e moradores nativos da Ilha do Mel?
Na ilha temos uma situação privilegiada: 93% do seu território é área de preservação ambiental, composta por ecossistemas de restinga e Mata Atlântica, sobrando muito pouco para as atividades de turismo. Mesmo assim, são frequentes as situações-limite: problemas de fornecimento de energia e precárias fossas transbordando quando ocorre uma chuva mais forte, contaminando córregos e praias. Sem contar que, para dar conta dos resíduos produzidos, a ilha depende de barcaças que levam tudo para Paranaguá, onde se despeja tudo em um lixão, transferindo o problema!
Em nível global, temos cerca de 13% de área terrestre protegida e somente 1,6% de área oceânica na mesma situação. O que quer dizer que a lógica econômica é continuar explorando tudo à nossa volta para atender ao insaciável consumo humano, sem se preocupar com o serviço que os ecossistemas intactos nos fornecem, como água pura e oxigênio! A "ilha Terra" está no seu limite e temos de reconhecer sua capacidade de carga. Não temos uma portaria para controlar quem entra e quem sai; assim, ou tomamos medidas drásticas ou entraremos logo para a lista das espécies em vias de extinção.
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