Para o bem ou para o mal, a família é a base de nossa sociedade; nascemos e crescemos numa. Os poucos que dela carecem (digamos, um menino de rua ou de orfanato) são vistos com pena; sente-se que falta algo a quem cresce sem pai ou mãe. E mesmo uma realidade comum como o divórcio é vista com tristeza, especialmente se o casal tiver filhos. A necessidade e normatividade da família estão enraizadas em nossas crenças e expectativas sobre o mundo.
Esse modelo de criação dos filhos pelos pais biológicos que moram juntos em união permanente (em geral firmada num ritual de casamento) não se restringe ao Ocidente; ele é a regra no mundo quase inteiro (com uma variação relevante: a poligamia): Oriente Médio, China, Japão, África; até os astecas do México, sem contato prévio com o Velho Mundo, tinham casamento e famílias. Bebês precisam vir ao mundo, precisam de cuidados intensos e de um ambiente seguro para crescer; a família é uma instituição particularmente adequada a esse fim. Se em sua origem tinha vantagens evolucionárias (cuidar dos próprios filhos garante ao homem a continuidade de seus genes; e a união monogâmica estável aumenta as chances dos filhos serem, de fato, dele), o que a torna atrativa hoje em dia são os benefícios humanos que ela promete, como a possibilidade do amor homem e mulher que se frutifica nos filhos, a alegria que eles trazem, etc.
Seria possível existir humanidade sem família? Bem, embora prevalente, ela não é estritamente universal. Tome-se como exemplo os Mosuo, etnia chinesa matriarcal em que as mulheres trocam livremente de parceiros e os filhos são cuidados pela família da mãe. Por mais interessante que seja compará-los conosco, o fato é que uma vida na qual os homens durmam em grandes quartos coletivos, nunca deixem a casa da mãe e cuidem dos sobrinhos em vez dos filhos nos é distante demais para servir de modelo prático.
Em nossa civilização, originada e baseada na família, sua ruptura traz consequências negativas para os filhos. A ausência do pai, por exemplo, tem alta correlação com o mau desempenho acadêmico. Na mesma linha, há evidências de que a participação dos pais na vida escolar da criança a auxilia, indicando que a escola, por si só, não basta. Ao mesmo tempo, outras evidências sugerem que diferentes métodos pedagógicos e disciplinares têm pouca influência na vida adulta dos filhos (a esse respeito recomendo o livro provocador do economista Bryan Caplan: Selfish Reasons to Have More Kids). O que se conclui desses dois resultados díspares? Que a família em si importa mais do que as ambições e planos de seus membros. Ou seja, os pais não moldam seus filhos; podem e devem, isso sim, proporcionar-lhes um meio para seu desenvolvimento natural. O filho se assemelha mais a uma planta, que precisa de um solo saudável, do que a uma escultura de barro à espera de um escultor detalhista.
Esse solo saudável aqui já não tenho nada em que me basear fora experiências pessoais minhas e de outros consiste em grande medida no valor do exemplo que os filhos sentem e observam. O pai, a mãe e os irmãos são o chão moral e sentimental de sua existência: aquelas pessoas que estarão lá sempre, incondicionalmente, e que nos dão o modelo de como homens e mulheres são e se comportam. É com seu exemplo de trabalho, de carinho e de prioridades que formamos os parâmetros pelos quais julgaremos o resto do mundo. Talvez por isso o divórcio seja tão duro para os filhos, mesmo adultos: é o fim de algo que consideravam básico e inabalável, e coloca em dúvida a possibilidade do amor verdadeiro e até a morte, deixando seu mundo mais triste.
Assim, a defesa da família não é bandeira de velhos reacionários amedrontados com o futuro. Antes, é a garantia de que às gerações futuras serão ofertados os mesmos horizontes amplos, e os mesmos ideais elevados, que alimentam a convicção de que vale a pena produzir e investir nas gerações futuras. A ruptura generalizada das famílias anuncia um mundo sem crianças.
Joel Pinheiro é editor da revista cultural Dicta&Contradicta.
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