O desalento tem pautado a imprensa e boa parte da agenda dos profissionais da saúde, que precisam lidar com os desafios emocionais que a pandemia trouxe para a sociedade. Aliada às questões sanitárias, temos ainda em curso uma crise socioeconômica que tem ampliado a dimensão dos problemas de saúde mental.
O Brasil tem mais de 14 milhões de desempregados, o que fez dobrar o ritmo de criação de empregos informais, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para cada dez ocupados, quatro são informais. E mesmo os que concluíram ensino superior na expectativa de aumentar a renda acabaram na informalidade, subutilizados ou desempregados numa economia que cresce pouco.
É fato que a precarização do trabalho preocupa, mas chama mais atenção quando são identificadas vagas de trabalho e não há brasileiros capacitados para ocupá-las. Ainda mais alarmante é perceber que a faixa etária da população que ingressa na etapa produtiva de vida está sem perspectivas.
Esse cenário é reflexo da formação oferecida, e não se trata aqui de julgar se pública ou privada. A educação até os 18 anos é insuficiente para atender as necessidades das empresas. E as escolas não entendem essas demandas que se colocam como parte da aprendizagem. Sem essa base, a roda da economia não gira e impacta diretamente no investimento em bem-estar social.
Essa discussão entre o saber e o fazer para o mercado é histórica, com as universidades posicionadas como fonte da ciência pura e se antagonizando ao mercado de trabalho. Isso deveria ter ficado no passado, mas é uma herança que perdura até hoje.
A educação propedêutica não atende os conhecimentos específicos para a execução de qualquer atividade funcional, seja ela simples e acompanhada nas qualificações profissionais, ou aquelas de autonomia e de liderança, como as habilitações aos titulados, que têm diplomas.
Por diversas vezes na história contemporânea e antiga, os governos se movimentaram para criar ações que estimulam o movimento do saber para o mundo do trabalho. Destaco aqui a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), em 1942. No âmbito estadual, foi criado em São Paulo, em 1969, também por um decreto-lei, o Centro Paula Souza, responsável pela gestão do maior grupo de escolas técnicas – são mais de 220 – e faculdades de tecnologia. Há ainda mais de 660 Institutos Federais, voltados à educação profissional em todas as 27 unidades federativas do Brasil.
Se o desafio para a retomada é a existência de mão de obra qualificada – e temos um grande número de instituições e unidades escolares voltadas à formação profissional –, o que nos falta, então?
Estudo da Fundação Getúlio Vargas mostra que pessoas que cursaram o ensino técnico têm 38% de chances de conseguir um emprego com carteira assinada e uma remuneração 13% maior do que aquelas que não fizeram um curso profissionalizante.
O grande diferencial de um país que evolui é justamente o desenvolvimento de políticas públicas, de ações governamentais que estimulem a prática de uma atividade voltada a fortalecer outras, planos de suporte, e de orientação das unidades existentes. E muitas são as formas de se desenvolver a ação a partir de um direcionamento do gestor.
Mas o que temos visto é que as iniciativas foram desperdiçadas – caso do Plano Nacional da Educação, publicado em 2001. Ele trazia diretrizes e metas para cada etapa da educação até 2020. Não vingou. E nem podemos culpar a pandemia, pois ele foi esquecido e abandonado bem antes de 2019.
O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego, o Pronatec, foi criado pelo governo federal em 2011, por meio da Lei 12.513, com a finalidade de ampliar a oferta de cursos de Educação Profissional e Tecnológica (EPT), por meio de programas, projetos e ações de assistência técnica e financeira. Mas, por vários anos, se esvaiu na sua aplicação política e sem controle de qualidade nos processos de liberação de recursos diante do resultado esperado.
Agora, no fim de 2021, com a preparação de retomada de atividades acadêmicas no pós-vacina, espera-se que sejam estabelecidas as diretrizes curriculares nacionais e a reforma do ensino médio com a implantação dos itinerários formativos, dentre eles os de formação profissional.
Com a ampliação da carga horária do ensino médio, a expectativa é de que os sistemas de ensino públicos estaduais e municipais se organizem para ofertar um itinerário formativo, agregado ao ensino propedêutico, de maneira a permitir que os alunos se apliquem a cursos que tenham funcionalidade no mundo do trabalho.
Discussão entre o saber e o fazer para o mercado é histórica, com as universidades posicionadas como fonte da ciência pura e se antagonizando ao mercado de trabalho.
A oferta de cursos técnicos na modalidade concomitante ao ensino médio também é alternativa de que seja desenvolvido um plano de estudos com saberes aplicados e contextualizados, integrando as disciplinas das áreas do conhecimento da Base Nacional Comum Curricular, mas com aplicações na formação profissional. Assim, os alunos concluiriam essa etapa com o diploma da educação propedêutica, essencial à continuidade de estudos, e um diploma de ensino técnico, que abre portas para o saber se transformar em fazer e, em breve, em ser.
Além de ser uma forma mais rápida de entrar no mercado de trabalho, a pessoa que tem uma formação técnica possui mais estabilidade dentro da empresa em que trabalha. Pesquisa do Senai indica que o indivíduo com esse tipo de qualificação tem menos chance de ficar desempregado em comparação com quem não fez um curso técnico.
Por tudo isso, é preciso reavaliar o papel e a importância do ensino técnico diante de uma economia combalida.
César Silva é presidente da Fundação FAT e especialista em análise de cenários de mercado e estrutura de carreiras.