Recentemente, o eurodeputado e ex-parlamentar britânico conservador Nigel Farage se referiu à União Europeia como um “mau projeto, que precisa acabar”. “A tentativa de impor às pessoas um sentimento de identidade e nacionalidade europeias não funciona”, garante ele. Mesmo como protagonista da campanha do Brexit, pela saída do Reino Unido da União Europeia, Farage permanece no Parlamento Europeu. Mas justifica: “quero ver o templo desmoronar com a nossa saída”.
Enquanto isso, uma pesquisa recente feita pela Comissão Europeia mostrou queda e desigualdade no interesse de jovens europeus pela carreira pública de órgãos da UE. A pesquisa parece indicar que os jovens a veem como uma entidade onipresente que não os representa. Afinal, é possível ser europeu sem ser português, francês, italiano? Existiria o “simplesmente europeu”? Do mesmo modo, existiria uma identidade latino-americana? A Europa parece estar encarnando um velho problema, mas que também antecipa uma tendência global.
A crise identitária do século 20 deixou marcas profundas na Europa, o que ecoou em todo o planeta. O eixo dessa crise era a perplexidade sobre quem era o sujeito da história: os russos, seguindo Marx, insistiam no proletariado; o nazismo apostou na raça; e o fascismo, no Estado. A proposta agora é de uma identidade nacional europeia. Questões históricas nunca vão embora. É possível apontar uma série de fatores econômicos para a criação da UE, assim como da zona do euro. Mas estes não são os elementos essenciais que formam a utopia dos blocos, intrinsecamente mais políticos e ideológicos do que propriamente econômicos.
Os blocos econômicos, tal como as ideologias, precisam nutrir-se de utopias colaboracionistas
A União Europeia, assim como planos semelhantes de caráter regional ou globais, como as Nações Unidas, resumem-se à imposição de uma nova identidade de base supranacional que justifique uma “governança” (governance), que, segundo os manuais da ONU, significa “governar governos”. Uma bela palavra para substituir velharias como “totalitarismo”: controle político, sob o disfarce de cooperação econômica, abastecido pela ingenuidade ou tenacidade de socialistas, liberais e burocratas.
A Europa vive um “Quarto Reich” sob o controle autocrático de Angela Merkel, alguém de cuja coloração ideológica pouco se sabe além de vagos elogios a “democracia e liberdade”. Na verdade, suspeitas sobre o seu passado ligam-na, durante a juventude, à Stasi, a polícia soviética da Alemanha Oriental, o que explicaria sua proximidade com a Rússia, que controla o gás europeu e mantém projeto com a Alemanha nesse sentido.
Países pobres tiveram ajuda para se reerguer de crises e equiparar forças, o que acabou por criar uma tensão entre gratidão e insatisfação. Tudo indica que a balança está pendendo para esta última.
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Mas os blocos econômicos, tal como as ideologias, precisam nutrir-se de utopias colaboracionistas. As críticas, especialmente em tempos de crise migratória, vêm de uma insatisfação com um tipo de tirania. Não se trata da tirania populista, como nos habituamos no Novo Mundo, mas de uma colonização ideológica, como diria Robert H. Benson em O senhor do mundo. Benson falou de uma sociedade secularizada e unitária, prevendo, já no início do século 20, o que hoje chamamos de politicamente correto. Afinal, surgidas a partir das terríveis experiências nacionalistas da Segunda Guerra, as novas utopias também se alimentam de um profundo temor de discursos autonomistas.
Mesmo assim, Polônia, Hungria, Áustria e até Itália já se mostram insatisfeitos com as políticas migratórias. Mesmo a Alemanha promete rever suas políticas e uma lei recentemente aprovada pelo Parlamento Europeu irá exigir autorização especial para a entrada de turistas de mais de 60 países na Europa até 2021. Será o fim da “sociedade aberta”?
Sem dúvida, um dos livros mais lidos pela elite europeia desde que foi lançado é A sociedade aberta e seus inimigos, de Karl Popper. Nele, o autor visualizou a transição da sociedade a um estágio de superação das sociedades tribais, nas quais os indivíduos partilhavam traços comuns e sanguíneos, para uma sociedade baseada na relação social que operaria pelo compromisso social, democrático, na cooperação mútua. Não se trata, porém, de um coletivismo, mas do ápice da racionalidade individual que se organiza racionalmente em uma “aldeia global”, para usar termo de Marshall McLuhan, popularizado e tornado slogan da globalização.
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George Soros, o milionário húngaro financiador da nova campanha pela manutenção do Reino Unido na União Europeia, foi amigo pessoal de Popper, a quem homenageou, dando à sua entidade o nome de Open Society Foundation. A OSF é hoje onipresente quando o assunto é financiamento de ONGs ambientalistas e de direitos humanos, tudo em nome da “cooperação racional” ou, digamos melhor, da organização total da sociedade – ou ainda, como os próprios defensores a chamam, uma Nova Ordem Mundial. O sonho acalentado por socialistas como H. G. Wells manifesta-se hoje nos milhões de dólares ou euros que Soros despeja mensalmente em movimentos sociais de diversos países do mundo. Seu poder não conhece fronteiras: soberania nacional é apenas um detalhe sem importância, não chegando a ser um obstáculo para alguém que se acostumou a enriquecer especulando com moedas e quebrando bancos.
Se buscarmos as mentes (e dólares e euros) por trás do sucesso ou fracasso da União Europeia, certamente não demoraríamos a chegar a milionários como Soros, verdadeiro símbolo que representa uma elite europeia sem escrúpulos para a centralização política e econômica sob a desculpa de ideais aparentemente sedutores de cooperação e ajuda mútua. Uma ajuda que sempre cobra seu preço, seja em soberania e liberdades individuais, seja em dinheiro.