O mercado educacional, conforme rotulado o campo em que atuam as instituições educacionais no Brasil, tem sido razão de acirrada especulação financeira. O alvo, desta vez, são as escolas de educação básica, e os compradores são os gigantes do ensino superior. No ano passado, segundo o jornal Folha de S.Paulo, algo entre 50 e 60 escolas de educação básica foram compradas no Brasil, e a expectativa para 2019 aponta que esse número deverá chegar a no mínimo 80, em todo o país. Esse movimento escancara o seguinte objetivo: consolidação de grandes grupos educacionais responsáveis pela formação de um enorme contingente de alunos. O fato de o atendimento ser em escala reduz os custos operacionais, profissionalizando o setor e, ainda, agregando diferenciais às escolas adquiridas, como propostas bilíngues, estruturas mais modernas e nova gestão. No Paraná, grandes grupos já se aproximaram e as ofertas aumentam, já arrebatando tradicionais instituições familiares e redes escolares em Curitiba e na região metropolitana.
Há aquisições, por exemplo, em que, após a compra, uma nova identidade entra em cena: mudam-se fachadas, logomarcas, uniformes e nomes. Há outras que preservam a identidade de frente, mas alteram completamente a operação interna, com efeitos significativos no ensino, pois professores e coordenadores são substituídos, muitas vezes por equipes já treinadas pelos grupos compradores. No fundo, eles devolvem à sociedade, basicamente, uma formação mais padronizada e menos personalizada, voltada muitas vezes para a viabilidade econômico-financeira daquela nova unidade adquirida. O resultado empresarial é a consolidação de grandes players educacionais, donos de uma infinidade de alunos que representam mais um negócio que retroalimenta e gira uma carteira de outros investimentos feitos no Brasil – muitos deles, aliás, em outros segmentos.
As escolas estão sendo negociadas como verdadeiras empresas dispostas na vitrine
Evidentemente, tudo isso gera um efeito sobre as escolas ainda não vendidas, que reagem cautelosamente com melhorias nem sempre milionárias, mas que levam ao fortalecimento da identidade, da fidelização de suas famílias e, sobretudo, da comunicação de seu propósito educacional, razão pela qual existem. É dessa forma que conseguem transformar a sociedade, seus alunos e sua comunidade: alocando todo esse diferencial para formação e ética humanas, uma das mais importantes e nobres funções da escola básica. Eis, então, um jogo empresarial, que exige da sociedade, no mínimo, cautela para refletir e tomar decisões.
No fundo, é muito preocupante. Nesse período aquecido do cenário educacional, as escolas estão sendo negociadas como verdadeiras empresas dispostas na vitrine, e os alunos são os verdadeiros produtos que agregam valor ao preço final negociado. É uma confusão conceitual que ocorre no Brasil, ao colocar no mesmo patamar escolas e empresas, quando, na verdade, estas se diferenciam pela natureza de sua missão e por seu funcionamento.
Henry Mintzberg, doutor pelo Massachussetts Institute of Technology (MIT), uma das mais respeitadas instituições de pesquisa do mundo, e professor da Universidade McGill, no Canadá, já colocou, por inúmeras razões, as escolas e universidades em um patamar diferente do das empresas. Por exemplo, as primeiras têm uma responsabilidade com a sociedade: formar pessoas boas, eticamente preparadas, atualizadas e inovadoras para um mundo em transformação; exploram o conhecimento; postulam valores sociais, éticos e morais; sobrevivem e inovam com base na interação e atuação de seus docentes, que precisam ser altamente qualificados e preparados. Esse processo exige de seus líderes educacionais, os diretores, sensibilidade e técnica ou, como diria Mintzberg, verdadeira arte para gerenciar uma instituição tão complexa. Aquela infinidade de modelos adaptados da gestão empresarial esmoreceu perante tal realidade, porque mede o trivial, mas deixa escapar o essencial: criatividade, propósito, formação humana, transformação de caráter e capacidades socioemocionais, estas últimas até então muito pregadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
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As escolas de educação básica, na verdade, são organizações e instituições cujos conceitos de eficiência, produtividade e meta precisam ser adaptados, negociados e validados pela área pedagógica, que se revela um importante centro de poder ainda pouco explorado pelas lideranças. No fundo, têm uma missão de serviço à sociedade, cuja meta é a educação. Nota-se, entretanto, que muitos desses serviços são pouco gerenciáveis pelas vias performativas e administrativas de indicadores financeiros e rankings, números estes prioritariamente balizados pelos grupos compradores. A escola, de fato, apresenta uma natureza complexa, cujos resultado e impacto são difíceis de ser mensurados, exigindo, então, administração própria, pois a lógica mercadológica é diferente da acadêmico-pedagógica.
Contudo, para espanto dos empresários, isso não isenta, em nenhuma medida, a escola de ter uma administração competente. Uma boa gestão definirá a maneira de aliar sua estrutura aos objetivos da sociedade. Ainda assim, dependerá de planejamento, profissionalismo, qualidade, viabilidade e desempenho. Portanto, deve ser claramente administrada com foco em eficácia, custos, tributos, inadimplência, concorrência e agenda da gestão. Vale a lembrança de James Heckman, Prêmio Nobel de Economia, ao citar que as escolas, quando obcecadas por resultados, focam em Português e Matemática, mas esquecem de pontos mais relevantes, como motivação, controle emocional e interatividade. Tal pensamento justifica – e muito – a razão deste artigo e a prece para que escolas sejam escolas de verdade, não meras “empresas do saber”.
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Se continuarmos negligenciando a complexidade inerente às escolas e às suas funções educacionais, continuaremos a negociá-las como produtos de mercado, gerenciando-as como empresas e entregando uma formação educacional em série. Os efeitos desses movimentos de mercado serão assimilados no longo prazo, mas já dividem especialistas que defendem uma formação humana e social mais qualitativa e menos quantitativa, autômata e superficial, e que também alertam para o alto preço a ser pago se deixarmos de lado a escola como instituição formadora de indivíduos no mínimo empáticos, globais, reflexivos e bons.
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