Previdência social é um seguro social, não assistência social. Isso significa que o sistema é contributivo e, como manda a boa técnica e a Constituição Federal, nos artigos 195 e 201, tem de ter equilíbrio financeiro e atuarial. Traduzindo: não se pode receber de aposentadoria mais do que se recolheu de contribuição. Caso contrário, o sistema já nasceria deficitário.
A demografia, no entanto, trabalha contra isso e contra a aposentadoria dos trabalhadores. A receita da previdência social vem de quem está trabalhando e a despesa, de quem está aposentado. A força de trabalho cresce cada vez menos – em função da queda de natalidade brasileira – e a população inativa cresce cada vez mais, em função do aumento da longevidade de quem está aposentado.
Diferentemente da imensa maioria dos países, o Brasil encontrou uma forma inteligente de lidar com essa complexidade sem precisar estabelecer uma idade mínima para aposentadoria: o fator previdenciário, que combina o tempo, a alíquota de contribuição, a idade na aposentadoria e a expectativa de sobrevida. É uma conta de resultado zero: o aposentado recebe rigorosamente o que contribuiu, observando o tal do equilíbrio financeiro e atuarial. Caso ele se aposente muito cedo, terá muitos anos de sobrevida até a morte e a aposentadoria mensal será menor que a daquele que contribui por mais tempo e se aposenta mais tarde. Não há mágica: quem para cedo, ao redor dos 50 anos, terá renda mensal menor, pois vai viver aposentado por muito mais tempo do que quem se aposenta aos 60.
É uma pena que os trabalhadores critiquem um instrumento inteligente que pode funcionar a favor deles e não contra
Os trabalhadores do setor privado odeiam o fator previdenciário por uma razão simples: dois terços dos trabalhadores que se aposentam continuam a trabalhar – muitas vezes na mesma empresa – e são obrigados a continuar a contribuir para o INSS, sem que isso traga nenhum benefício adicional. Há dez anos, criei o termo “desaposentadoria” por entender que, como a conta do fator tem de dar resultado zero segundo a Constituição, as contribuições adicionais de quem continua a trabalhar deveriam servir para aumentar a aposentadoria. O INSS não pode se apropriar desse dinheiro, pois não é um imposto previsto em lei. O próprio relator no STF, ministro Marco Aurélio Mello, já se posicionou a favor da desaposentadoria e ela poderia, por exemplo, ser concedida a cada cinco anos para aqueles que continuarem no mercado de trabalho. Baseado nas contribuições adicionais feitas após a primeira aposentadoria, ela seria recalculada.
É uma pena que os trabalhadores critiquem um instrumento inteligente que pode funcionar a favor deles e não contra. Com a queda do fator, viria a idade mínima, e aí o trabalhador não teria escolha.
Já a fórmula 85/95 (que soma o tempo de contribuição à idade), aprovada no Congresso e vetada por Dilma Rousseff, que na sequência publicou medida provisória acrescentando progressividade ao mesmo sistema 85/95, representa um retrocesso por três razões. Primeiro: diferentemente do apregoado, a regra não estabelece uma idade mínima para se aposentar. Um homem com 37 anos de trabalho e só 58 de idade atingiria a meta de 95. Isso vai contra o aumento da longevidade. Os países que têm quadro demográfico semelhante ao nosso já aplicam idades mínimas para lá de 65 anos. Segundo: o governo e o Congresso são menos competentes, demograficamente, que o IBGE para estabelecer a progressividade. Por fim, mas o mais importante: joga-se por terra o equilíbrio financeiro e atuarial, requisito básico para uma previdência justa e tecnicamente viável.
Os trabalhadores postergarão a aposentadoria para atingir os números 95/85 – e isso representará uma economia momentânea –, mas em pouco tempo a conta da previdência será impagável. Os maiores prejudicados serão os futuros aposentados, pois só haverá uma saída: reduzir as já minguadas aposentadorias.
Trabalho há 30 anos com previdência. Nela, o que importa é a sustentabilidade no longo prazo. Caso contrário, ou nós ou nossos filhos pagaremos o déficit.
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