Há um ponto comum em quase todos os conflitos que ensanguentam a agenda internacional: algum movimento extremista islâmico está sempre envolvido. Nos atentados em Mumbai, na Índia; nos sequestros nas Filipinas ou na Ásia Central; na luta na Tchetchênia; nos incidentes no oeste da China na véspera dos Jogos Olímpicos; nos atentados da Al-Qaeda contra as Torres Gêmeas, em Nova York; no metrô de Londres ou na Espanha o padrão é sempre o mesmo.
O processo de islamização da agenda internacional, que os americanos chamam de "novos desafios e ameaças" é ainda mais evidente. Desde o 11 de Setembro, essa agenda compreende os seguintes temas prioritários: o terrorismo internacional; a proliferação de armas de destruição maciça, sobretudo no Irã e na Coreia do Norte; e o cacho de problemas que se estendem do Afeganistão-Paquistão ao Chifre da África com Sudão e Somália, no outro extremo, desenhando um arco geopolítico que cobre o Irã, o Iraque, a Síria, o Líbano e o mais explosivo de todos os problemas, o conflito palestino-árabe-israelense.
Cada uma dessas questões possui sua especificidade própria, mas em todas elas o traço de união é que vamos encontrar, de um lado, americanos e seus aliados da Otan e, do outro, muçulmanos, extremistas ou não. Pode-se dizer que a culpa não é do Islã, cujos ensinamentos não pregam o ódio nem a violência. A realidade, porém, é que, coincidência ou não, os mortos na faixa de Gaza, nos danos colaterais dos bombardeios americanos contra talebans afegãos ou paquistaneses, nas operações no Iraque são invariavelmente muçulmanos, o que não deve deixar indiferentes os outros muçulmanos.
Quando à meia-noite de 25 de dezembro de 1991 a bandeira vermelha foi pela última vez arriada do Kremlin, anunciando o fim da União Soviética, Giorgy Arbatov, especialista russo nas relações com os EUA, declarou: "Fizemos aos americanos uma coisa terrível: acabamos de privá-los de um inimigo!". Assim parecia por algum tempo, durante os dez anos entre aquela data e 2001, período de ouro em que todas as divisões de Berlim, da Alemanha, da Europa e até problemas aparentemente sem relação com a Guerra Fria, como o apartheid sul-africano, eram resolvidos, uns após os outros.
Todos os muros, os de concreto como o de Berlim e os criados pela lei e a repressão como o apartheid, eram demolidos, ao mesmo tempo em que a globalização dava a impressão de que nunca mais haveria paredes de qualquer espécie, nem mesmo culturais, entre os seres humanos. A ilusão durou pouco e logo voltamos a ver muros se erguendo por toda a parte, em Israel, entre EUA e o México. Há ainda as barreiras das patrulhas navais europeias contra imigrantes africanos e agora, ao que parece, surgem muros até para isolar favelas.
O processo da islamização da agenda internacional constitui desafio inédito, de natureza distinta aos do passado. Ao envolver a mais dinâmica e numerosa das religiões, a mais resistente até hoje à modernização, a agenda atual exigirá muito mais do que a superioridade militar dos EUA.
Obama compreende o problema e tem buscado, desde o discurso de posse, mostrar que os EUA não estão em guerra contra o Islã. Certo, mas o fato, objetivamente falando, como diriam os marxistas, é que do outro lado os inimigos são muçulmanos. A solução não virá de fórmulas simplistas como a da democratização instantânea do Oriente Médio. Se não conseguir criar uma nova estratégia efetiva para conquistar os corações e as mentes dos muçulmanos, Obama, apesar de suas intenções, acabará prisioneiro do mesmo dilema que destruiu a diplomacia de seu malogrado predecessor. Rubens Ricupero é diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo. Foi secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento e ministro da Fazenda. Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.