Quem não faz, leva é uma velha máxima do futebol que desdenha o empate, em especial o 0x0 que é a negação da disputa. Nem sempre. Uma partida entre dois grandes times pode provocar uma torrente de emoções, mesmo com que acabe com o placar em branco.
Mas, são rodeios que encaminham a conversa para a surpreendente decisão da brava juíza Mônica Jacqueline Sifuentes, da 3.ª Vara Federal do Distrito Federal determinando a suspensão do pagamento da indecorosa verba indenizatória de R$ 15 mil mensais para o ressarcimento das despesas dos senadores e deputados federais no fim de semana, em suas bases eleitorais e no aconchego dos lençóis domésticos.
Como era previsível, a turma estrilou, botou a boca no mundo para choramingar a pobreza dos felizardos, premiados pelo voto com um dos melhores empregos do mundo, com rendimentos mensais, somados os 14 subsídios anuais de R$ 16.512 mil mensais e o cacho de bananas de ouro das mordomias, vantagens, benefícios e prendas, acima dos R$ 100 mil.
Os presidentes das duas Casas do Legislativo botaram as barbas de molho e resistiram aos apelos para determinar o pagamento da bolada pelo menos este mês. Já suficientemente encrencado com o rumoroso episódio da relação extraconjugal com uma jornalista e o acerto de contas para o pagamento de pensão à filha de três anos, o senador Renan Calheiros, em parceria com o deputado Arlindo Chinaglia, presidente da Câmara, providenciou os recursos a serem encaminhados pelas Mesas para derrubar a decisão da juíza.
Não convém soltar foguete nem embarcar na leviandade dos palpites, antecipando a decisão dos tribunais superiores. Mas, duas linhas paralelas de comentários são de absoluta procedência.
De logo, salta aos olhos que a juíza Mônica Jacqueline Sifuentes puxou o tapete da crise ética que corrói a credibilidade do Legislativo e, em tacada de mestra, aplicou o corretivo exemplar ao denunciar a vexaminosa verba indenizatória, a mais pútrida mancha na desmoralização do Congresso recordista em escândalos e em absolvições no pagode da impunidade.
Uma reforma política a sério, para valer, terá que começar obrigatoriamente pela poda dos galhos da amaldiçoada figueira do inferno. E, no embalo, cortar os ramos suspeitos, e que são muitos.
A conversa fiada de paliativos para enganar os trouxas, como o financiamento público de campanhas que muitos renegam, com receio de perder a mamata das subvenções que abastecem o caixa 2 ou o voto em lista só deveriam ser debatidos depois da faxina em regra para retirar o lixo empilhado nos cantos.
O pranto dos parlamentares mais desinibidos é de uma desfaçatez que chega a comover. O presidente da Câmara, deputado Arlindo Chinaglia, sensibiliza-se com os pobres parlamentares "que vivem do salário e que dependem da diretamente da verba para fazer o trabalho do mandato".
Até onde chegamos no aviltamento do mandato dos representantes do povo! Os parlamentares em todos os níveis, da monarquia até a ditadura militar de 21 anos, sempre residiram nos seus locais de trabalho e pagavam as suas contas com os então modestos subsídios.
Semana útil de dois a três é novidade da mudança da capital para Brasília, em 21 de abril de 1960. E também os demais berloques que foram sendo anexados pelo vício deformante das mordomias: quatro passagens aéreas mensais, verba de gabinete de R$ 50.815 para a contratação de assessores, R$ 3.000 de auxílio para os que recusam os apartamentos funcionais, crédito de R$ 6.000 na gráfica para a impressão de livros, discursos, cota telefônica e de correio de R$ 4,2 mil. Deve faltar algum por fora.
Mordomia vicia. Aniquila a vontade de trabalhar, amolece o ânimo para enfrentar a dureza do batente.
E é um vício de cura difícil. Sobe a cabeça, enche o bolso e envenena o sangue.
Villas-Bôas Corrêa é analista político.
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